Já eram mais de 21 horas quando saí para fazer uma caminhada noturna. Costumo andar ao redor do Passeio Público, mas, como havia me atrasado um pouco, optei por um trajeto mais iluminado e seguro. Atravessei a Praça Santos Andrade, passando pelo Teatro Guaíra e pelo prédio central da Universidade Federal do Paraná, e, por fim, decidi: vou até a Praça Osório e volto, pelo calçadão. A menos de 20 dias do Natal, e em tempos de toque de recolher, acabei sendo surpreendido pelo que vi. Minha prática de exercício físico e, nestes tempos pandêmicos, também mental, transformou-se em uma incursão numa cidade ao mesmo tempo muito familiar e desconhecida.
Nesta época do ano, o comércio de rua costuma ficar aberto até 22 horas e a Rua XV, símbolo maior de Curitiba (não, não é o Jardim Botânico!), ganha todos os anos hora extra. Iluminada, cheia de vida e de gente de todos os tamanhos, cores e idades. Mas não em 2020. A alta no número de infecções e mortes por Covid-19 e a falta de leitos nos hospitais fizeram com que, nove meses após o início da pandemia, a cidade mudasse a tradição e se sentisse forçada a vestir uma espécie de luto, ainda que discreto, bem ao seu estilo.
A decoração natalina acompanhou o tom de discrição. Há poucas fechadas iluminadas, salvo a do Palácio Avenida, e, a não ser por uma árvore pouco decorada, instalada no meio do trajeto, como um lembrete do momento do ano que estamos vivendo, o que mais chamou minha atenção foi o vazio. Está certo que, em menos de duas horas, não deveria haver mais ninguém fora de casa, e viaturas da Polícia Militar e da Guarda Municipal já circulavam pelo calçadão para garantir que o toque de recolher seria respeitado. Mas não é apenas desse vazio que estou falando.
Ao mesmo tempo em que fiquei encantado com a possibilidade de ter quase só para mim uma rua pela qual passei tantas e tantas vezes, e onde vivi muitas histórias ao longo da vida, fui tomado por um imenso pesar. No Brasil, a pandemia já levou perto de 182 mil pessoas e serão muitas mais até que o país consiga vacinar com eficiência a população. As perspectivas são sombrias. É uma tragédia gigantesca que, infelizmente, muitos preferem negar ou fingir não existir, em um comportamento que só faz aumentar as proporções do que já estamos vivendo.
Ao mesmo tempo em que fiquei encantado com a possibilidade de ter quase só para mim uma rua pela qual passei tantas e tantas vezes, e onde vivi muitas histórias ao longo da vida, fui tomado por um imenso pesar. No Brasil, a pandemia já levou perto de 182 mil pessoas e serão muitas mais até que o país consiga vacinar com eficiência a população. As perspectivas são sombrias.
A beleza melancólica de uma Curitiba discretamente trajada para uma festa meio fora de lugar (ou seria um funeral?) me fez pensar na solidão dos que perderam pessoas amadas, essenciais em suas vidas, nestes nove meses de agonia. Há, de certa forma, um discurso oficial, que começa no Planalto Central e reverbera por todo o território nacional, de que tudo está sob controle, e o pesadelo está “no finalzinho”. Não está.
Ao me dar conta disso, olhei para o relógio e já eram perto de 10 da noite. Apressei o passo e fiz o mesmo caminho de volta para casa. Estava mais deserto e, de certa forma, eu também havia me esvaziado.