“A vocação é algo inescapável.” Com essa resposta definitiva, a atriz Fernanda Montenegro respondeu, no fim da tarde ontem, a uma pergunta feita por uma estudante de Comunicação da Loyola University, em Maryland, nos Estados Unidos. Aos 91 anos, recolhida em seu apartamento no bairro da Lagoa, Rio de Janeiro, ela aceitou o convite do professor doutor Daniel Pinha, do Departamento de Teatro da instituição, para falar por mais de uma hora, via Zoom, sobre sua carreira para a comunidade acadêmica. O título da palestra: “Um Intercâmbio Cultural e Geracional: Revelando Fernanda Montenegro”.
Ouvi-la e vê-la pela tela de meu computador, aqui em Curitiba, graças às maravilhas da tecnologia, me fizeram pensar no privilégio de viver no mesmo tempo que essa grande mulher, de tê-la visto algumas vezes em cena, sobre o palco, de tê-la entrevistado pessoalmente, ouvindo sua voz, olhando em seus olhos.
“A vocação é algo inescapável.” Com essa resposta definitiva, a atriz Fernanda Montenegro respondeu, no fim da tarde ontem, a uma pergunta feita por uma estudante de Comunicação da Loyola University, em Maryland, nos Estados Unidos.
Fernanda começou sua fala aos estudantes, desculpando-se por seu inglês, pelo forte sotaque brasileiro, mas insistiu em apresentar-se no idioma de Shakespeare, para, em suas palavras, sentir-se mais próxima de seus interlocutores. Contou a eles, lendo um texto que tinha às mãos, como o teatro ao Brasil chegou, ou aqui nasceu, do esforço cristianizador de religiosos jesuítas, que fizeram uso da arte para converter e aculturar os indígenas. Disse que o teatro brotou em terras brasileiras como semente vinda da Europa, tanto nos tempos coloniais quanto ao longo dos séculos até entrar em sua vida, em dezembro de 1950. Lembrou dos grandes diretores e encenadores com quem trabalhou: russos, poloneses, italianos, alemães e, claro, brasileiros. Listou os grandes autores que interpretou – Sófocles, Eurípedes, Shakespeare, Molière, Racine, Eugene O’Neill, Tennessee Williams, Samuel Backett -, mas fez questão de afirmar que, por aqui, a arte teatral transmutou-se, com novas cores e nomes, ganhou feições próprias. Nelson Rodrigues.
Voltando àquela primeira pergunta, a grande dama, agora na “musicalidade de sua língua mãe”, respondeu que chegou ao teatro, ao ofício que abraçou há pouco mais de 70 anos, porque da vocação não se escapa, “Ela nasce dentro de você”. Esse arrebatamento, contudo, não a impediu de recorrer a um quase excesso de realismo diante de outra pergunta, feita por um aluno de Comunicação, Cinema e Teatro:
– O que você tem a dizer a um jovem que, como eu, está terminando a graduação e quer ter uma carreira no teatro?
“Desista!” foi sua resposta acompanhada por um longo suspiro. “Mas se você perceber que não suporta viver longe do teatro, que sua vida não fará qualquer sentido, daí, sim, insista, cumpra o seu destino”. Fernanda lembrou que, nas artes cênicas, há muitos papéis a desempenhar, e não apenas no palco. “Você pode ser um autor, um diretor, um iluminador, um cenógrafo, um contrarregra, um administrador. Você deve ficar no teatro se não suportar a vida longe dele.”
Única brasileira indicada ao Oscar de melhor atriz, por Central do Brasil (1998), Fernanda disse que muito poucos nasceram para interpretar papéis principais, e podem ser muito mais felizes, realizados, como coadjuvantes. “Não se faz teatro para ser estrela, uma expressão que eu detesto, que não se aplica ao teatro, ou a mim, e foi herdada de outro meio, o cinema.”
Descrevendo o teatro como como “algo fundamentalmente vertical, em que você precisa estar de pé com seu texto, podendo enxergar e ser vista por seu público”, Fernanda se definiu como uma artesã que, às vezes, consegue, pela conjugação de uma série de fatores, “tocar a arte”. Comparou-se a um sapateiro que, em alguns poucos momentos, cria um grande modelo, único, especial, para depois começar tudo de novo.