Na madrugada do último sábado, acordei em pânico. À meia-noite, havia começado o lockdown, tentativa de conter em Curitiba o contágio da Covid-19, e assim desafogar os hospitais da cidade, com suas UTIs quase lotadas. A medida, mais do necessária e urgente, veio quase um ano depois de minha vida mudar e transferir-se quase por completo para dentro de meu apartamento, que tornou-se meu país. Vivemos hoje o pior momento da pandemia e já nem podemos mais dizer que estamos no meio desse pesadelo. Pode ser que ele se estenda por muito, muito mais tempo. Por isso, acordei e disse, no escuro do quarto onde dormia, sentindo-me um pouco como um exilado na própria terra: “Eu estou com medo”.
A ameaça representada pelas novas variações do coronavírus, e seu maior poder de contágio, o aumento da letalidade da pandemia no Brasil, são aspectos mais objetivos e, portanto, tangíveis desse meu medo. Mas há outros. Entre eles, a sensação de que a minha, as nossas existências, possam jamais voltar a ser as mesmas. Isso é igualmente ou até mais aterrorizante. O futuro transformou-se numa bruma espessa no Brasil, onde tudo que é humano, sensível, fica mais e mais precário a cada dia, à medida em que o discurso oficial desdenha de nossas fragilidades, minimiza o sofrimento de tantos, porque não lhe interessa admiti-lo. O horizonte ficou difícil de enxergar.
Percebo-me trancado por dentro. Não é como uma prisão em que se é confinado a uma cela, dentro da lógica da punição. Aqui, sou eu quem chaveia a porta para se proteger. E não só do vírus, o inimigo imediato e invisível. A postura de quem está no comendo é replicada, cegamente, pelos que acreditam em mentiras desonestas sobre a pandemia, a respeito de tratamentos precoces sem eficácia comprovada.
Percebo-me trancado por dentro. Não é como uma prisão em que se é confinado a uma cela, dentro da lógica da punição. Aqui, sou eu quem chaveia a porta para se proteger. E não só do vírus, o inimigo imediato e invisível. A postura de quem está no comando é replicada, cegamente, pelos que acreditam em mentiras desonestas sobre a pandemia, a respeito de tratamentos precoces sem eficácia comprovada. Preocupados apenas com o próprio umbigo, querem fazer do lockdown uma medida ideológica contra o (seu) capital e seus privilégios. Poucos se importam com quem padece e morre, contanto que não sejam eles.
Com suas bandeiras e buzinas, a violência latente e vazia de seus discursos, eles me assustam. E me tiram o sono.