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Home Crônicas Paulo Camargo

Um menino chamado Natália

porPaulo Camargo
27 de junho de 2017
em Paulo Camargo
A A
"Um menino chamado Natália", crônica de Paulo Camargo.

Imagem: Reprodução.

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Natália* era uma menina curitibana adorável. Seu rosto de traços muito delicados contrastava com o olhar de uma melancolia precoce e perturbadora. Como se, desde cedo, ela tivesse consciência de que havia algo em descompasso na sua alma. Já pequena, pedia aos pais que mantivessem seus cabelos bem curtos. Preferia calças compridas, bermudas, a vestidos e saias. As bonecas que ganhava de presente acumulavam poeira no armário do quarto, intocadas, e tinham algo de assustador, por serem indesejadas e não parassem de invadir as prateleiras. Ela não chegava a odiá-las, mas queria correr na rua, subir em árvores, jogar bola com os guris da vizinhança.

Embora o comportamento de Natália causasse um certo desconforto em sua família, e ela fosse alvo da curiosidade de muitos, o consenso era de que se tratava apenas de uma fase passageira. Mais de uma vez ela deixou escapar que gostaria de ter nascido menino, e nas festas juninas da escola chegou desenhar, com o lápis de sobrancelha da mãe, bigode e cavanhaque. Camisa xadrez e chapéu de palha na cabeça, quis fazer o papel do noivo e casar-se. Riram, acharam “uma graça”, mas não deixaram

Ao chegar à puberdade, o corpo de Natália mudou. Ganhou seios, curvas e ela foi, aos poucos, se transformando em uma bela mulher. Mas infeliz e visivelmente incomodada com aquelas mudanças todas. Já não achavam mais gracioso seu gosto por roupas masculinas e os olhares, e comentários, foram se tornando mais cruéis. Ao ponto de render-se aos apelos da família, e deixar os cabelos crescerem. Também chegou a usar alguma maquiagem em ocasiões especiais, mas colocou um limite: vestidos e saias jamais.

Natália era uma menina curitibana adorável. Seu rosto de traços muito delicados contrastava com o olhar de uma melancolia precoce e perturbadora. Como se, desde cedo, ela tivesse consciência de que havia algo em descompasso sua alma. Já pequena, pedia aos pais que mantivessem seus cabelos bem curtos. Preferia calças compridas, bermudas, a vestidos e saias.

O inevitável ocorreu. Já adulta, durante os anos de faculdade, Natália mergulhou em uma depressão profunda. Pouco depois, se digladiou com um caso severo de síndrome do pânico. Hoje, passados alguns anos, há poucas dúvidas que esse quadro de instabilidade psicoemocional seja decorrência de algo mais profundo: ela sofre de transtorno de identidade de gênero. É um homem que nasceu com um corpo de mulher. Mas o mundo ao seu redor se recusa a permitir a ela viver sua verdade. Apenas a tristeza, o eterno estar fora do lugar, têm permissão de continuar existindo.

Ainda que hoje questões relacionadas a gênero sejam bem mais presentes nos discursos midiáticos, poucos conseguem entender pessoas como Natália e tantos outros e outras que não se identificam com seu sexo biológico. Não percebem que não se trata de uma opção. Na realidade fortemente heteronormativa e binária em que vivemos, há apenas dois gêneros: o masculino e o feminino, determinados pela biologia, pela genitália, não pela alma.

Essa intolerância, efeito colateral de profunda ignorância e falta de empatia, condena Natália a uma existência pela metade. Triste e incompleta, em um mundo que a invisibiliza para que permaneça falsamente estável, seguro.

*Natália é o nome fictício de um personagem real.

Tags: Crônicadepressãointolerânciameninameninosíndrome do pânicotranstorno de gênero

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