Uma lembrança feliz. Em uma vitrola Grundig, que eu acabara de ganhar de aniversário, rodava um disco de Elis Regina, que levava apenas seu primeiro nome como título. Na capa do LP, uma foto da cantora, com cabelos muito curtos, vestido de renda branca, sentada em uma cadeira de vime azul. No rosto, um sutil, mas evidente sorriso. Ao fundo, um jardim, belo e desfocado, como um cenário algo etéreo, imaginário.
O álbum, lançado em 1972, é, na falta de um adjetivo melhor, uma covardia, experiência estética como poucas que guardo de uma infância embalada por muita música brasileira. Graças a Deus! Abre com a faixa “20 Anos Blue” (de Suely Costa de Vitor Martins), e passa pelos clássicos “Nada Será Como Antes” (de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), “Macuripe” (Fagner e Belchior), “Atrás da Porta” (de Chico Buarque e Francis Hime”) e “Águas de Março”, que dois anos mais tarde ganharia versão definitiva em forma de dueto, no maravilhoso Elis & Tom, um dos melhores álbuns na história da música popular brasileira.
Uma lembrança feliz. Em uma vitrola Grundig, que acabara de ganhar de aniversário, rodava um disco de Elis Regina, que levava apenas seu primeiro nome como título. Na capa do LP, uma foto da cantora, com cabelos muito curtos, vestido de renda branca, sentada em uma cadeira de vime azul. No rosto, um sutil, mas evidente sorriso.
Uma música de Elis, no entanto, até hoje me emociona. Talvez porque em “Casa no Campo”, de Zé Rodrix e Tavito, eu sempre tenha ouvido mais do que uma intérprete esplêndida. Desde menino, quando não tinha lá muita noção sobre música e poesia, eu ouço a mulher por trás da artista, falando comigo, revelando seus anseios, apesar de os versos não serem de sua autoria. Há tanta verdade na voz que mesmo hoje, 35 anos após sua morte, eu a ouço falando quando canta: “Eu quero uma casa no campo/Onde eu possa ficar do tamanho da paz/E tenha somente a certeza/Dos limites do corpo e nada mais” e “Eu quero a esperança de óculos/E meu filho de cuca legal/Eu quero plantar e colher com a mão/A pimenta e o sal”.
Quem conhece a biografia de Elis, sabe que ela, sempre que seus contratos a permitiam, escolhia seu repertório a dedo, e defendia, com unhas e dentes, o direito – e, sim, o privilégio – de gravar, e cantar, o que acreditava, composições que expressavam seu olhar para o mundo. Se não revelou, catapultou a carreira de grandes compositores, como Ivan Lins, Milton Nascimento, Renato Teixeira, João Bosco… E “Casa no Campo”, apesar de dividir espaço com clássicos incontornáveis na carreira da cantora, foi o grande sucesso do álbum, que também marca o início da parceria artística e amorosa com o maestro e arranjador César Camargo Mariano.
Quando retorno a essa canção, e o faço com certa frequência, vejo o selo azul da Philips rodando no meu toca-discos, e me percebo na letra tão lindamente entoada pela voz de Elis. “Eu quero o silêncio/Das línguas cansadas.”