Quando era garoto, tinha o hábito de transformar em textos curtos, rabiscados em cadernos do colégio, tanto pensamentos esparsos quanto histórias que vivenciava no meu cotidiano, acrescentando um detalhe ou outro ficcional, brincando com minhas próprias narrativas de vida. Nunca tive disciplina para manter a regularidade um diário, até porque a sistematização desse hábito talvez dele tirasse sua espontaneidade. Passar a mão em uma caneta, mais do que um ato racional, para mim sempre foi uma pulsão de registrar em palavras estados de alma e servia como uma espécie de válvula de escape para minha introspecção. Eu me revelava ao mundo por meus escritos, ainda que permanecessem, em grande parte, engavetados.
Com o passar dos anos, fui perdendo esse costume de escrever, de próprio punho, o que se passava dentro de mim e ao meu redor. Uma pena. Os textos tornaram-se anotações mais lacônicas, quase telegráficas. Palavras, frases, fragmentos de pensamentos apenas rabiscados para não serem esquecidos e, talvez mais tarde, servirem de base para textos que digito nos teclados de computadores em casa ou no trabalho. Alguns se transformam em crônicas como esta, outras em contos ou poemas, que continuam se acumulando digitalmente, pedaços de mim que se escondem em arquivos do Word.
À medida em que o tempo avança, eu me dou conta de que viver também é uma forma de escrita e os textos, ainda que não sejam materializados, ganham vida na memória, uma escrevinhadora incansável.
À medida em que o tempo avança, eu me dou conta de que viver também é uma forma de escrita e os textos, ainda que não sejam materializados, ganham vida na memória, uma escrevinhadora incansável. Como o menino para quem tudo era matéria-prima, e fonte de inspiração, ela agora me serve como mar de histórias, onde mergulho fundo em busca de mim mesmo, de um melhor entendimento de minhas escolhas e atitudes.
Aquela tarde a bordo de um ônibus em direção errada me vem à cabeça como metáfora encantadora para falar da vida. O melhor caminho nem sempre é o mais curto, e preciso. Vasculho esse baú de sensações que se organizam em torno de fatos, e percebo que essa imagem emerge em meio a tantas lembranças. Desse instante vou me lembrar para o resto da vida. Porque era eu ali, por inteiro, tentando chegar a algum lugar onde eu queria muito estar.