O cronista moderno que, ainda assim, deseja se manter fiel aos valores basilares da crônica rubembraguiana, deve voltar seu olhar perscrutador para as redes sociais. Um Facebook permite uma imersão muito maior na intimidade da vida alheia do que um episódio entreouvido ou entrevisto em uma padaria ou restaurante, mesmo que alguém aponte a dubiedade do recorte autopromovido por quem posta fotos felizes e programas interessantes para o julgamento do público. Toma-se uma convivência involuntária com gente semi-conhecida que não deixa outra posição a cada uma das partes a não ser a do voyeur acidental.
É sobre uma dessas vidas que desejo falar. Um amigo de Facebook, conhecido da vida real, desconhecido dos detalhes de sua vida privada, à exceção de seu recorte virtual. Ele tem a minha idade, talvez pareça um pouco mais velho, talvez tenhamos tido oportunidades diferentes em nossas trajetórias distintas, com uma larga vantagem em privilégios para mim. Talvez pela proximidade etária, me pego cada vez mais interessado na vida dele e no que ele anda postando, e a cada foto me pego imaginando no que poderia ter sido e no que continuaria sendo igual caso fôssemos mais próximos em história. Consequência lógica ou não, me pego também cada vez mais feliz por ele. Mais uma vez, posso estar sendo completamente iludido pela persona virtual, mas olho para os olhos pixelados do meu amigo de Facebook e só vejo sinceridade na sua rotina.
Sinto que somos um só, e sinto que ele está indo muito bem com sua vida de adulto: se divertindo dentro das possibilidades, vivendo o amor fati nitzscheano sem temer a inexorabilidade do cosmos caótico.
Pelo que sei desse peep-show cibernético, ele mora na região metropolitana de Curitiba, é casado e completamente apaixonado por sua esposa. Sei de muita gente que não suporta a felicidade alheia, mas o caso não se aplica a mim. Adoro vê-los juntos, reunindo seus amigos em casa para beber cerveja e conversar, aquela selfie meio torta que dá conta de capturar todo mundo, em casacos de frio e gorros de lã. Suas fotos têm legendas empolgadas em quase todas as vezes: muitas exclamações para estrear a pequena churrasqueira nova, ou para o luxo da cerveja artesanal que se permite de tempos em tempos. Um rapaz de gostos simples, comprou recentemente um baixo de iniciante e se diz satisfeito com o “brinquedo novo”.
Gosta de registrar os momentos felizes de sua rotina – sei que o oposto também ocorre, talvez numa frequência maior do que a efusividade das fotos possa sugerir – e faz questão de colocar os amigos sempre juntos dele e da esposa. Show da banda Ira!, uma tarde para torcer pelo Brasil na Copa do Mundo, um barzinho no fim de semana: lá está o casal cercado de companheiros. Mesmo os colegas de trabalho que compartilham com ele a rotina de vendedor itinerante estão sempre sorrindo e bem dispostos, crachá na gola da camisa social e o jeito rocker nas costeletas e barba.
Como eu disse, não posso deixar de me sentir satisfeito com esse feliz conhecido que se torna cada vez mais próximo de mim por compartilhar seus momentos online. Torço por ele e pelos seus como torço por mim e pelos meus. Sinto que somos um só, e sinto que ele está indo muito bem com sua vida de adulto: se divertindo dentro das possibilidades, vivendo o amor fati nitzscheano sem temer a inexorabilidade do cosmos caótico. Estamos bem, amigo.