Digam o que quiserem do Rammstein, mas nenhum outro artista performático entendeu tão bem o fogo quanto a banda alemã. Escrevo essas linhas emocionado enquanto assisto a takes do concerto ao vivo em Paris que se tornou videoclipe pelas mãos do regular Jonas Åkerlund. Parece que ele também entendeu o fogo como entendem os alemães.
A água muda sua forma conforme o recipiente, o ar pode pouco mais do que se movimentar e a terra, frequentemente, nem isso. Já o fogo não existe sem movimento. A dança de sua fome é fugidia, mas não deixa reticências.
Existem três formas básicas de entender o fogo: como força destruidora – a compreensão mais rudimentar –, como força transformadora e, no que julgo ser o olhar mais sensível sobre essa força da natureza, como presença fátua, a união do material com o imaterial. O fogo é, afinal, um elemento que parece sempre desejar sair de nosso mundo sensível. Esconde-se nas brechas de dimensões euclidianas enquanto se faz irremediavelmente presente na experiência. Está e não está.
Casulo da matéria, o fogo revela a verdade sobre tudo. Uma pedra de toque aérea, um processador universal, de eterna inconstância e violenta realidade. Heráclito, o obscuro, dizia que o fogo purifica o espírito. Tudo viria do fogo, acreditava. Obviamente que sua filosofia de constante mudança necessariamente precisaria compreender o fogo como elemento fundador da experiência, já que nada é mais transformativo.
A água muda sua forma conforme o recipiente, o ar pode pouco mais do que se movimentar e a terra, frequentemente, nem isso. Já o fogo não existe sem movimento. A dança de sua fome é fugidia, mas não deixa reticências. É como nos shows do Rammstein. O fogo é a oração com ponto final. Tem começo, meio e fim, mas não tente fazer como os taxidermistas para entendê-lo. Aceitar o fogo é ser igualmente dinâmico, é terminar no eterno fluir.
Aos incautos, encanta pelo mistério. “O fogo anda comigo”, escreveu Lynch em Twin Peaks, como mantra e charada, ciente de que não saberia o que mais fazer a respeito de tal força. Aos poetas, encanta pela violência. O fogo da paixão, tantas vezes cantado, é o sequestro da força indomável ao sabor protagórico-narcísico. A paixão pode parecer fogo, mas na verdade é a razão abandonando o ser em busca de uma animalidade esquecida – essa sim, mais próxima do fogo primeiro, o destruidor.
Aos iniciados, porém, encanta pelo que é e pelo que não se pode explicar a quem não o compreende. “Come on baby, light my fire”, escreveu Jim Morrison, usando o fogo como metáfora para o sexo, seguindo os passos de Hendrix e Camões. The Offspring escreveu “Burn it up”, a história de um trombadinha pretensamente piromaníaco que sai por aí queimando tudo. É bom lembrar que foram os poetas os responsáveis por colocar chifres de touro nos capacetes vikings.
Importam as imagens, não importa a exegese natural. Camões e The Offspring não estão discutindo o fogo, estão se apropriando do elemento para falar de amor violento e amor à violência, respectivamente. Diante de tamanha grandeza, que importa meu inaudível grito de amor ao fogo? De pouca coisa, é certo. Encontro poucos amigos nessa caminhada. Gostaria de um dia conhecer Till Lindemann e dizer a ele que entendo. Talvez ele também ande pelo mundo procurando quem entenda. O fogo anda comigo, mas não como enigma. Na verdade, sou eu que ando com o fogo.