Primus é, definitivamente, a banda que mais marcou a minha vida – o que, por si só já é uma coisa muito estranha de se dizer. O trio californiano dos anos 90 de gênero indefinido (enquanto outros conjuntos eram encaixados sob guarda-chuvas suspeitos como “rock”, “pop” no sistema de metadados ID3, Primus tinha sua própria tag: era apenas “Primus”) mudou a minha maneira de ver a música e principalmente de tocar baixo.
Influenciados por bandas de metal e de progressivo – Rush sendo, talvez, a referência mais direta – o Primus é uma banda que criou um universo muito específico dentro da música de sua época, a começar por seus próprios integrantes. Les Claypool, a mítica figura do baixista virtuose com jeito de roceiro e predileção por histórias de pescadores derrotados, tem uma voz aguda e engraçada, que carrega um tipo de sotaque sulista dos Estados Unidos que jamais seria vista em um som tão moderno. Suas letras falam de marginalizados, suicidas, assassinos e caipiras viciados em drogas. Gente simples com problemas complexos.
O tema do enforcamento, por exemplo, está tanto em “Bob” quanto em “Jerry Was a Race Car Driver”, para citar algumas músicas, enquanto a disfunção social aparece em “Harold of the Rocks” e “Spaghetti Western” (que tem o reflexivo verso “fins de semana não significam muito quando você é desempregado, mas pelo menos você pode andar com seus amigos trabalhadores”, em uma tradução livre). A violência associada a problemas mentais em “My Name Is Mud” e “The Air is Getting Slippery” se associam a um certo autoritarismo irracional como em “Sgt. Baker”, “The Last Superpower a.k.a. Rapscallion” (que talvez faça menção a George Bush) e Pilcher’s Squad (em referência a Norman Pilcher, o policial que prendia celebridades por posse de drogas na Inglaterra).
Influenciados por bandas de metal e de progressivo – Rush sendo, talvez, a referência mais direta – o Primus é uma banda que criou um universo muito específico dentro da música de sua época…
A unicidade dessas obras, presentes em mais de uma dezena de discos, formam o retrato de um Estados Unidos da América doente da própria pequenez de seus habitantes. A maior forma de expressão admitida é a violência, seja contra si mesmo, seja contra outros. O país do Primus é um país viciado em sangue, carros e… pescaria, um entretenimento simples que foge do progresso. O lugar do simples e do pobre no mundo da música sempre foi o da vítima, mas no Primus eles são os próprios agressores, deixam de ser carne para ser a navalha que corta o sonho americano. Destroem o lugar que amam sem saber, e destroem a si mesmos. Isso poderia ser visto sob um prisma elitista, mas não é uma guerra de classes. O que Primus descreve é um mundo selvagem e autofágico, que contudo não é imposto por uma classe dominante, mas pelo nosso próprio senso de autodestruição. Primus pinta sua natureza como sua musicalidade: violenta e esquisita.