Como muitas crianças que nasceram na década de 80, eu também fui influenciado em grande parte pela televisão. Não que ela já não existisse antes, mas acredito que a minha geração tenha sido impactada um pouco além do que outras. Antes da década de 80, a programação televisiva infantil não era lá muito infantil, e não raramente subestimava a inteligência de seu público, fazendo com que a audiência migrasse para programas adultos que, com o tempo, passaram a ser considerados programas infantis. Depois da década de 80, o obstáculo da doutrinação de tubos de raios catódicos é, obviamente, a miríade de suportes mais atrativos e mais interativos. Mas isso não vem ao caso. Queria dizer que fui criado em parte pelo meu pai, em parte pela minha mãe e em boa parte pela programação infantil de que dispunha na TV de casa.
Dentre todos os programas, o Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, talvez seja o programa que mais tenha me marcado. Não era, nem de longe, o meu favorito da TV. Os desenhos da Warner Brothers me ganhavam muito mais facilmente, mas o caos vazio daquela violência animada não caminhou comigo pela vida. Guardei as esquetes e as cenas de Castelo Rá-Tim-Bum como quem guarda as primeiras lições da vida – em um processo quase biológico em que a mente classifica aquela informação como importante e a desloca diretamente para a memória permanente. Foi lá que tive meu primeiro contato com diferentes expressões de dança, poesia concretista, instrumentos musicais de orquestra, obras de pintores brasileiros, explicações básicas sobre ciência e história e a sacra lição para qualquer espírito rebelde: porque sim não é resposta, dizia o personagem de Marcelo Tas. Tudo isso envolto em uma trama leve e sem muitos sobressaltos que durava cerca de meia hora.
Não era, nem de longe, o meu favorito da TV. Os desenhos da Warner Brothers me ganhavam muito mais facilmente, mas o caos vazio daquela violência animada não caminhou comigo pela vida.
E se havia algo sobre valores de vida nesses episódios, devo ter absorvido também. Um episódio emblemático é a que os personagens do Castelo fazem um concurso gastronômico para premiar o melhor sanduíche. Todos se esmeram, chegando ao ponto de ultrapassar a barreira do bom senso em nome de um sanduíche que juntasse tudo o que houvesse de bom. Por fim, o vencedor é o personagem principal, Nino, que arrebata o júri com um simples pão com manteiga, para espanto de seus concorrentes. Notas sobre a importância da simplicidade e a sobriedade do desejo explicadas por meio de sanduíches e outras lições igualmente importantes conseguiram, de uma maneira não totalmente improvável, um lugar de destaque na gênese da minha construção como ser humano. Mas tudo bem, a vida adulta me mostrou que eu também me preocupei excessiva e inutilmente com bigornas, areias movediças e cascas de banana. Talvez minha versão criança fosse mesmo essa tábula rasa esponjosa que absorvia tudo indiscriminadamente. Talvez por isso eu deva agradecer a quem não usou isso para tentar me fazer um consumista perdulário e, ao contrário, me mostrou que um pão com manteiga é tão satisfatório quanto o tamanho do seu desejo realizado. É, eu deveria agradecer por isso.