O velhinho, com as mãos carcomidas pelo tempo, estende um papel termossensível e pergunta ao que se refere a cobrança de trezentos e cinquenta reais em sua conta.
– É da NET.
– Ah, então deve ser coisa do meu filho.
– O senhor paga o pacote completo da NET pro seu filho? Que chique!
– Eu preciso, ele abusa de mim. Troca sempre de iPhone e sou eu quem pago também. Se eu não pago ele não deixa eu ver meus netinhos.
Sai andando devagarzinho pela porta giratória com uma nova cobrança descoberta.
***
– Aqui diz que a senhora trabalhava em um motel antes.
– É verdade, eu era faxineira.
– Então conta uma história bizarra de motel aí.
– Uma vez eu vi entrarem três homens juntos.
– Mas isso é normal.
– Três homens barbados juntos?
– Sim, acontece o tempo todo. Conta uma história bizarra mesmo, com bodes, ganchos e essas coisas.
– Ah, isso não posso. Não é ético.
E foi assim que descobri que, no código moral do motel, qualquer coisa para além de ménage gay é confidencial.
E foi assim que descobri que, no código moral do motel, qualquer coisa para além de ménage gay é confidencial.
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Ela tem bom coração, quer ajudar. Preenche um cheque de cento e oitenta reais para a Legião da Boa Vontade. Escreve no cheque: “descontar da poupança”, alheia ao fato de que tal prática não é permitida. Não há dinheiro na conta corrente. A idade avançada traz o desajeito com as tecnologias. Não confere quando a LBV apresenta o cheque, que volta, e reapresenta mais uma vez, apenas para voltar com a alínea 12. O telefone celular está escrito atrás com uma letra trêmula. Não ligam. Incluem o CPF dela no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo. Nunca mais vai conseguir fazer um financiamento. A Legião da Boa Vontade não teve boa vontade com ela.
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Um uruguaio:
– Você acredita em Deus, Yuri? Eu não acredito em merda nenhuma. Aqui no Brasil eu assino a TV da Vivo. Puta merda, tem cento e cinquenta canais e 40 deles é só pra rezar. Minha mãezinha jogou uma maldição em mim antes de morrer. É o santo pau, a vagina ungida e o caralho a quatro. Eu vejo um pastor na minha frente hoje em dia e só me dá vontade de encher de porrada.
***
– Vamos para o happy hour, Yuri?
– Outro dia. Hoje é sexta-feira, dia de ver os amigos de verdade.