Minha namorada visitou a Escócia e me trouxe um kilt de presente. A tradicional saia masculina, maior característica da cultura daquele país junto com a barulhenta gaita de fole, parece combinar menos com o clima gélido do norte das Ilhas Britânicas e mais com o calor dos trópicos, que se estende para além do paralelo de Capricórnio e castiga a gente pacata de uma outrora gélida Curitiba. Ora, claro, nada como usar uma saia no calor, qualquer mulher pode confirmar isso. Sentir o vento invadir o interior das coxas e jamais sufocar pele e junções com tecidos agarrados e calorentos.
A praticidade de vestir e conservar uma roupa sem cós para puir e sem barra para fazer é tanto um privilégio feminino como um ícone de sua suspeita fragilidade, fazendo oposição a uma igualmente suspeita imponência do par de calças, essas sim, frágeis o bastante para se rasgarem ao movimento de uma espontaneidade qualquer.
Saí de casa pela primeira vez com meu kilt verde e azul em um sábado ensolarado e quente, para comprar as coisas do almoço. Eu, que há alguns anos desisti de andar sem chamar muito a atenção, estava um tanto ansioso para desfilar com minha saia e testar as reações de uma cidade tanto moderna quanto culturalmente ignorante e intolerante, certo de que a distância entre minha figura deslocadamente escocesa e o próximo crossdresser pareceria pouca aos olhos do bairro.
A rua estava tomada de gente, e no caminho entre minha casa e o açougue passei por uma oficina mecânica e por dois mendigos que, se pensaram em comentar alguma coisa, guardaram as impressões para si.
Estava um tanto ansioso para desfilar com minha saia e testar as reações de uma cidade tanto moderna quanto culturalmente ignorante e intolerante, certo de que a distância entre minha figura deslocadamente escocesa e o próximo crossdresser pareceria pouca aos olhos do bairro.
Já no caminho para o mercado, passei por um boteco com senhores de meia idade, que bebiam suas cervejas já meio embriagados sob o sol do meio-dia, alguns adolescentes sentados em uma mureta com seus skates a tiracolo e algumas senhoras em frente a um salão de beleza. Essas foram as únicas que detiveram os olhares sobre mim, mas foi só isso – alguns olhares curiosos e provavelmente algum comentário bem humorado depois, longe dos meus ouvidos.
Resumindo esse pequeno episódio anticlimático, voltei pra casa com as minhas compras e nenhum assobio ou malcriação nesse meio tempo. Talvez os tempos estejam mudando, talvez um kilt não seja nada demais, talvez a cautela do “vai que é maluco” ainda seja uma prática dos dias de hoje, fato é que, no geral, me senti a vontade e fresquinho com meu kilt, e faria proselitismo político em favor de uma adoção ampla da peça de roupa por aqui, em especial nesta cidade que gosta de jactar de ser um pouquinho da Europa no Brasil. A todos os homens que por acaso estiverem lendo isso e que também compartilhem a vontade reprimida de usar uma saia, seja ela masculina ou feminina: não se furtem a esse prazer. A revolução está vindo. Uma saia de cada vez.