Sempre nutri o maior desprezo por quem insistia em advogar sobre os benefícios de se praticar a corrida – em grande parte porque, claro, já tinha tentado correr e não tirei nada de positivo da experiência. As canelas doem, você fica sem fôlego, o coração parece que vai explodir dentro do peito (como nas ovelhas, para quem isso é um perigo diário), o diafragma urra, o suor jorra, a vista embaça, e o tempo? Dois minutos e meio, o equivalente a quatrocentos ou quinhentos metros, dependendo da sua velocidade. Melhor nem verificar quantas calorias essa quase morte lhe custou. Diante dessa tragédia que é correr, como olhar com seriedade para quem diz fazer isso semanalmente, de graça, sem que ninguém mande?
Foi quando o escritor japonês Haruki Murakami lançou o seu Do Que Falo Quando Falo de Corrida, um relato sobre como deixou de fumar três carteiras de cigarro por dia, fechou seu barzinho de jazz em Tóquio e começou a praticar corridas para compensar o sedentarismo da nova profissão de escritor. A coisa deu tão certo pra ele que um ano depois estava correndo sua primeira maratona — a original, na Grécia. Ali está boa parte do que os corredores não costumam falar na hora do proselitismo. As dores, a sensação da morte, mas, mais importante, o ensinamento de que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. Vi certa verdade óbvia nisso, mas aceitei que talvez o esporte estivesse ao alcance de todos.
Deixei no mês passado a terapia. A analista não gosta do termo “alta”, mas acontece que é o termo que se usa, fazer o quê. Troquei uma terapia por outra na verdade. A corrida, ao longo dos últimos meses, deixou de ser a hecatombe que era para se tornar um exercício tão doloroso quanto qualquer outro, mas funcional para as ansiedades e depressões que acometem as boas almas vez ou outra. Há qualquer coisa de catártico em terminar uma corrida de cinco, sete, dez quilômetros, as pernas tremendo, a camisa colada no corpo, e uma sensação de uma conquista arrematada com praticamente toda a sua energia.
Deixei no mês passado a terapia. A analista não gosta do termo ‘alta’, mas acontece que é o termo que se usa, fazer o quê. Troquei uma terapia por outra na verdade.
Correr envolve a suspensão das vontades do corpo em favor de um objetivo pré-estabelecido. Durante aquela meia hora, quarenta minutos, só a dor vai te acompanhar. Depois fica mais fácil. A dor que começava a aparecer aos sete minutos de corrida começa a aparecer aos dezoito, e assim por diante. Os limites vão sendo forçados, o tempo melhora, o corpo melhora e, talvez o ganho indireto mais importante, a cabeça melhora.
Correr com raiva é melhor do que correr alegre, mas aos poucos já não se torna mais possível correr com raiva. Mas nada do que eu possa fazer aqui para tentar resumir em uma crônica o que Haruki Murakami escreveu em mais de duzentas páginas seria melhor do que a vitória da ideia fixa: é preciso sempre continuar correndo.