Em fevereiro de 1911, o compositor alemão Gustav Mahler foi diagnosticado com endocardite bacteriana, uma doença que valia como sentença de morte na época. Mahler havia descoberto possuir uma válvula cardíaca defeituosa anos antes, em 1907, logo após a morte de uma de suas filhas, fulminada pela febre escarlate e pela difteria, e o defeito anatômico o tornou propenso à doença fatal. Mahler morreria meses depois, em maio do mesmo ano, mas o período entre os dois diagnósticos é o que me interessa neste momento. Foi nesse ínterim que o gigante tardio da música romântica trabalhou em seu trabalho mais tocante: a Sinfonia n.º 9, a última que chegou a completar e que jamais ouviu ser executada. Sua despedida consciente deste mundo.
Escrita entre 1908 e 1909 em quatro movimentos, destoa de seus outros trabalhos e de sinfonias em geral pela sua abertura e seu encerramento. Como em sua primeira sinfonia, a Titã, Mahler costumava começar lírico e terminar estrondoso (ou o contrário, às vezes). Sua última sinfonia, no entanto, é permeada por silêncios desconcertantes, atonalidades e é aberta com um ritmo sincopado esquisito, que o maestro Leonard Bernstein disse ser uma referência às batidas irregulares do coração do compositor. Enquanto o segundo e terceiro movimentos são relativamente animados, com predominância da atuação dos metais, é seu adágio final o momento mais tocante. Longe dos tímpanos frenéticos, dos gongos e das barulheiras infernais, Mahler optou por ir apagando seus instrumentos de corda, que vão se tornando silenciosos e espaçados até a última nota, marcada na partitura como ersterbend – algo como “morrendo”. Mahler, um artista grandioso, romântico, fáustico em suas ênfases, se despede do mundo com uma última nota que ressoa baixo e morre com o silêncio solene que logo se torna indiferente – como a morte real.
Mahler, um artista grandioso, romântico, fáustico em suas ênfases, se despede do mundo com uma última nota que ressoa baixo e morre com o silêncio solene que logo se torna indiferente – como a morte real.
Façamos de todas as nossas despedidas e de todas as nossas mortes como a nona de Mahler. Prefiramos a solenidade do vazio à imponência da polifonia. Sejamos esquisitos, animados em momentos inadequados e graciosamente desajeitados quando confrontados com o desconhecido. Saiamos da vida de quem não nos quer sem alarde, certos de que rompimentos estrondosos não têm lugar fora das novelas mexicanas. A vida é um espetáculo de som e fúria, mas a morte é só uma última nota que ressoa para cair no esquecimento, um ersterbend que se apaga. O silêncio tornará tudo indiferente.