Fiz uma assinatura de vinhos no mês passado. A coisa funciona exatamente como se espera: mediante um pagamento mensal, recebo duas garrafas de vinho relativamente chiques, selecionadas pelos sommeliers do site. Ainda recebo descontos e frete grátis para outras compras fora da assinatura. Um prazer vulgar e sutil, como tomar vinho. Como o prazer dos velhos.
A verdade é que tenho passado muito tempo nas gôndolas de vinho do supermercado, assim como eu costumava ficar horas nas lojas de brinquedo quando era criança e, depois de um certo tempo, horas na livraria. Se antes ficava extasiado ante às infinitas possibilidades de leitura, hoje sinto-me um apático capaz de um deleite mínimo que é escolher um vinho para acompanhar o jantar. Enfim, tenho dado mais atenção ao ato mundano de comer e beber bem do que a outras coisas que eu costumava elencar como prioritárias. Eu, que já vivi pelo medo e pela adrenalina, me sinto envelhecendo ao me ver sem disposição para programas mais excitantes do que abrir uma boa garrafa de vinho.
Lembrei dos personagens de Michel Houellebecq, o escritor francês autor do recente Submissão. Todos eles são figuras apáticas e niilistas que não se entusiasmam com nada que não seja comer e beber. Grandes obras da literatura, reformadores sociais, filosofias mil, nada disso interessa a Daniel, Jed, Michel e François, seus personagens de A Possibilidade de uma Ilha, O Mapa e o Território, Plataforma e Submissão, respectivamente. Foi o próprio Houellebecq que justificou a literatura com o argumento de que “escreve-se porque já se está, de alguma maneira, cansado da vida”. O que resta para quem já está cansado da vida? Medalhão e pinot noir à noite?
“Lembrei dos personagens de Michel Houellebecq, o escritor francês autor do recente Submissão. Todos eles são figuras apáticas e niilistas que não se entusiasmam com nada que não seja comer e beber.”
Mas não me sinto cansado da vida. Com um otimismo que carrego mesmo nos piores dos momentos, sinto que estou apenas descobrindo um novo tipo de prazer, e me dedicando a ele com o ímpeto de quem descobre um novo prazer, nada além disso. Tenho uma amiga que diz que todo mundo precisa de algo extremamente retardado para levar a sério. Ela, por exemplo, conhecedora de bandas desconhecidas por definição, tinha como meta chegar a três mil artistas diferentes ouvidos pela rede social de música last.fm – e conseguiu, recentemente, provavelmente estipulando uma nova meta para se dedicar. E acho que nada de muito diferente esteja se passando comigo agora, mesmo com uma dose saudável de niilismo que não abandono por nada. Há quem goste de descobrir música nova. Há quem corra por quilômetros. Há quem leia. Há quem lave o carro e fume narguilé com os amigos diante de um porta-malas aberto na periferia da cidade. Há quem colecione selos. Eu? Eu bebo vinho.