Os episódios duram 20 minutos, alguns um pouco mais do que isso. O desenvolvimento dos personagens ocorre em um tempo mais do que suficiente — mesmo para um mau roteirista. Ninguém tem pressa. O intuito do programa não é manter um ritmo, mas suspender o passar das horas. A televisão é uma droga dura. Ainda mais dura do que a nicotina, que só se define por sua presença ou ausência no organismo, o sofrimento ou a recompensa. A televisão não tem recompensa, é o sofrimento do Real (aqui em maiúsculo, porque fica bonito acenar pra Lacan nessas horas) contra o sofrimento de se embotar diante de algo que não deixa dúvidas de seu vício ou de seu malefício. Exposição passiva a luz e sons, esses estímulos vagos pelos quais somos atraídos, e dispositivo garantidor do vácuo neutro de baixa atividade afetiva.
Mesmo os episódios de 20 minutos têm uma orientação difusa, procurando serem compostos, cada um, de micro arcos narrativos, historinhas que se abrem e que se fecham sem maiores consequências para o quadro geral. Isso tranquiliza, desobriga o foco e também sugere o caráter inofensivo do passatempo. Parte da dança sedutora de luzes que deseja fundir homem e máquina. O método Ludovico de Burgess é desnecessário, eu e outros tantos bilhões nos voluntariamos para o experimento. Fechamos a cortina para que a luz da TV seja o deus discricionário que deseja ser. A vida lá fora já não interessa – e que vida? Do outro lado da cortina, só existe o medo, os espaços vazios, a obrigatoriedade da máscara e do álcool gel, as camas de hospital ocupadas por corpos que definham a cada dia e os malucos inconsequentes que não se deixam abalar por nada disso – de tudo mencionado, o pior.
A televisão é uma droga dura. Ainda mais dura do que a nicotina, que só se define por sua presença ou ausência no organismo, o sofrimento ou a recompensa.
O dia se despede aos poucos, e o sol explode o céu em uma paleta psicodélica de cores. O vento sopra a cada hora mais gelado, os pássaros fazem suas revoadas porque não sabem que se trata de um domingo, a noite é silenciosa. É claro que nada disso importa. Levanto do sofá e desisto da atividade do dia não por cansaço, mas porque a consciência da culpa pela atividade já é insuportável. Olho as montanhas de livros que tenho em casa a serem lidos, leio as mensagens de conhecidos que me procuraram nas redes sociais nesse meio tempo, a pilha de louça também continua lá. Mas não quero lidar com nada disso por agora. A TV me exauriu de energia e de vontade. Na cama, os olhos fechados percorrem as pálpebras escuras rapidamente, como se quisessem continuar a ver, como se buscassem algo que tirasse da frente imediata a solidão dos próprios pensamentos. O despertar do transe é doloroso e causa um choque séptico na mente amortecida. Durmo chutando as cobertas e desperto muitas horas depois como se não houvesse dormido nada. As ruas ainda estão cheias de medo e espaços vazios. Fazer o quê. Esquento a água para um café e assisto mais um episódio.