O real se descortina nas exceções, diz o filósofo francês Alain Badiou. O mundo sensível, o das nossas impressões, está soterrado em subjetividades e alegorias, num processo muito similar à caverna de Platão, de maneira que só podemos entrever o que seja real por meio do indubitavelmente escandaloso e intimidante. O mais escandaloso dos escândalos, intrinsecamente ligado à corrupção, por sua definição, é o dos esportes. “O esporte é uma espécie de vitrine aberta para a exceção escandalosa. Ele ocorre em público e para o público. Daí o fato de que o escândalo, que é sempre uma exposição pública do que deveria permanecer escondido, se sinta especialmente à vontade no esporte, que está sempre ostentando suas virtudes: o esforço, a abnegação, o sofrimento consentido, a lealdade na competição, a performance indiscutível, o sucesso plenamente merecido…”, escreve ele em seu livro Em Busca do Real Perdido, publicado no Brasil pela editora Autêntica.
O mais escandaloso dos escândalos, intrinsecamente ligado à corrupção, por sua definição, é o dos esportes.
O mesmo filósofo sente-se à vontade para pressupor que o escândalo de corrupção é meramente um bode expiatório para dissimular uma corrupção sistêmica da sociedade, ela inteira corrompida e regida por essa lei íntima que não nos revela. “Afinal, se ganhar o máximo de dinheiro possível é a norma, fica difícil dizer que não é verdade que todos os meios sejam válidos”, sentencia. Pois bem, diante disso, e tomando os vaticínios do autor como fatos dados em nossa sociedade, seria o esporte uma espécie de emulador da vida virtuosa que há muito perdemos. Uma forma de transmitir às gerações futuras valores e ideais que, contudo, têm meramente a serventia de construir véus para o mundo sensível, arquétipos do semblante que um dia, talvez, tenha sido real. Isso explica, por exemplo, a admiração coletiva e cega por atletas e o interesse em assistir ao que seria uma competição em termos iguais, mesmo esses termos já demasiados desequilibrados pelos mesmos problemas de ordem biológica e social que dão origem a todos os outros desequilíbrios.
Não é, contudo, abraçando a corrupção num salto cínico ao abismo do real que teremos êxito em sair da caverna. Eu diria que é preciso, antes de tudo, uma reinterpretação sistemática dos semblantes e, igualmente, de uma ética das virtudes – que, desde um primeiro momento, não poderia ser desassociada de um meio termo válido com um dever ser kantiano – para que possamos ver a luz. Fazer das silhuetas armas contra o poder intimidante do real. Tirar mais lições do esporte do que da angústia pós-moderna e subjetificar a experiência para fazer dela a realidade possível. Pro inferno com o resto.