Duas e meia da manhã. Um frio invernal de cortar a carne do rosto e eu estou parado em uma rua do Abranches com duas taças de plástico verde da Tanqueray na mão. A cabeça está leve e entrando em órbita por conta própria. Eu nunca estive no Abranches. Meu sobretudo e meu keffiyeh confirmam isso. Nunca estive aqui, preciso voltar para casa. O lugar de onde saí também quer que eu volte pra casa.
Aquelas mulheres que encostaram a limusine branca no posto de gasolina da Brigadeiro Franco com a Vicente que começaram tudo. Uma delas tinha um véu de noiva na cabeça. Despedida de solteira. Em quem você vai votar, me pergunta uma delas. Eu lembro de mencionar que o PCO resolveu fechar uma chapa com o PT, então que não sabia. Talvez Ciro Gomes. Voto de resultado, sem muita ideologia envolvida. Elas assentem satisfeitas, as mulheres da limusine branca. Entregam para nós ingressos para o show do Mc Kevinho. Quem é Mc Kevinho, eu pergunto. Elas automaticamente entoam em uníssono “essa novinha é terrorista, é especialista”, e alguma melodia entreouvida contra a minha vontade me vem à mente. Tá, esse cara. Sei. Parece lisonjeiro. Marco me olha e me questiona com as sobrancelhas levantadas. Mateus, o primo de Mossoró (de Sergipe, ele corrige, mas não mora mais lá) está encantado com a cidade. Passou o dia bebendo e se apaixonou treze vezes nas últimas doze horas. Pretende fechar um número redondo antes que a noite acabe. Reage bem ao convite diferente. Diferente não, estranho, ele proclama. Recita Safadão como se fosse Shakespeare. Animação que se extingue ao final da corrida de Uber até o Abranchão. Vomita no poste. Pede a chave de casa. Melhor pra ele.
Nada do Kevinho. Só vai subir no palco dali a umas boas três horas ou mais. Talvez cante ao nascer do sol, não sei. A fauna é exótica, mas exótico de verdade sou eu ali dentro. Não estamos acostumados um com o outro, eu e o público do funkeiro. Os caras puxam as meninas pelo braço para falar algo no ouvido. Elas esquivam como pode. A falta do tacape torna a abordagem menos eficiente. Talvez queiram a simplicidade do passado de volta. Sou o único em todo o salão sem cartão de academia no bolso. Os drinks custam trinta reais. Não vou pagar isso num gim tônica, então peço o mais elaborado do cardápio. É um copão laranja. O medo de perder tira a vontade de ganhar, a frase de Vanderlei Luxemburgo vem num cartão pregado ao copo como uma espécie de biscoito da sorte alcoolico.
Nada do Kevinho. Só vai subir no palco dali a umas boas três horas ou mais. Talvez cante ao nascer do sol, não sei. A fauna é exótica, mas exótico de verdade sou eu ali dentro. Não estamos acostumados um com o outro, eu e o público do funkeiro.
Sento do lado de fora para tomar um ar e descansar um pouco dos empurrões que recebo sem cerimônias de homens inchados de anabolizantes, para quem boas maneiras pode ser um forte indicativo de homossexualidade latente. Confirmo isso com a noiva e suas amigas, que também estão do lado de fora. Você é viado, né, me pergunta uma delas, me vendo tomar um drink doce de pernas cruzadas. Diante de um certo agasto da minha parte, se esquiva dizendo que não é homofóbica, que foi só uma pergunta, alheia à própria linha de raciocínio. Ainda vou votar no Ciro? Naquele exato momento meu desejo era votar em Castro. Preciso deixar o recinto, concluo. Os copos na minha mão, o meu e mais uns outros. O frio, o Uber que não chega, o Kevinho que não sobe ao palco. Talvez eu devesse fazer academia. Lá fora, não ter um tacape parece normal mais uma vez. Foram três garrafas de vinho e mais o tal drink de trinta reais. Marco também se desanimou. Assim como eu, tampouco sabe o que estava esperando de diferente daquilo. Prometemos um ao outro contar a história da maneira mais pessoal possível. Essa é a minha versão.