Crescemos – é sempre muito difícil pra mim falar da minha infância no singular – à sombra dos prédios dos reatores de Angra 1 e, posteriormente, de Angra 2. As usinas nucleares, as únicas do Brasil, sempre causaram em mim um tipo de fascínio distante. Da grade para lá, não se podia explorar nada, mas os galpões e as construções de concreto e alvenaria rodeados por uma organização já naquela época meio decadentes davam à coisa um ar de filme de zumbi ou algum tipo de terror industrial.
A lembrança de Chernobyl era muito recente, e era difícil para uma criança entender como poderiam haver tantas pessoas contrárias ao nosso estilo de vida confortável e movido a fissão de urânio. Tirando o terror da fusão nuclear, que, segundo alguns, poderia acontecer de uma hora para outra, nada inspirava qualquer tipo de intranquilidade. Havia praia, sol, vento, as ruas tranquilas para andar de bicicleta, jogar bete ou futebol, e havia o monolito sólido e inabalável das torres. Contra tudo e contra todos, continuam lá, inclusive.
Crescemos à sombra dos prédios dos reatores de Angra 1 e, posteriormente, de Angra 2. As usinas nucleares, as únicas do Brasil, sempre causaram em mim um tipo de fascínio distante.
Assistimos, na quinta, na sexta e na sétima série, ao filme The Day After, uma distopia que tentava retratar como seria a consumação da guerra fria. As pessoas eram pulverizadas e se podia ver o esqueleto delas antes de desaparecerem completamente. Pais tentavam em vão proteger as crianças, que pereciam em seus braços e o mundo como o conhecíamos simplesmente deixava de existir. Francamente, lá pela segunda vez que a aula de geografia se repetiu em sua ementa, a coisa já nos parecia enfadonha, e eu me deprimia muito mais com os efeitos toscos da produção e com a carreira cinematográfica de quem, com a inspiração artística e política, acabou fazendo um filme que resistia ao tempo simplesmente porque alguns professores precisavam descansar um pouco de seus planos de aula e deixar a criançada entretida, pelo menos uma vez por ano, por uma hora e meia que seja, enquanto desfrutavam de um saboroso cigarro do lado de fora da sala. A ameaça nuclear não falava aos nossos corações, mesmo que de certa maneira estivéssemos cientes de que seríamos as primeiras vítimas de qualquer hecatombe do tipo.
Para nós, os perigos eram outros. Havia muitos acidentes na estrada no caminho para o trabalho, havia o mar bravio que arrastava para o fundo, e havia a certeza aterradora de que nos separaríamos dali a alguns anos, já que não era possível morar naquela vila de usina nuclear para sempre. Ficamos adultos, e alguns amigos começaram a trabalhar na usina, em trabalhos temporários ou em contratos de alguns anos. Os mais velhos, que trabalharam lá a vida inteira, não lembram com muita alegria daqueles enormes e estranhos prédios. E a verdade é que até hoje não sei o que ter crescido do lado de uma usina nuclear significou para mim. O que sei é que, como nunca entrei no reator, vejo o exterior como um monumento da minha infância. Enquanto alguns cresceram contemplando o Pão de Açúcar, a Avenida Paulista ou o Rio Capibaribe, eu cresci sobre a sombra de usinas nucleares.