Na última sexta-feira, o Uber, serviço de táxi alternativo, promoveu um dia para entregar sorvetes de graça para seus usuários. Não apenas um sorvete, mas quatro, e um sorvete de marca, que, somados, custariam o equivalente a 5% de um salário mínimo. A ocasião acontece em outros países também e serve para promover a marca.
Fato é que o motorista de Uber não é um taxista. Converso com todos eles e sei que não há quem viva só de dirigir Uber. É um complemento de renda, um troco para pagar as contas sem maiores preocupações. Será esse o caminho?
A partir dessa notícia, tive pela primeira vez a sensação de que seria prudente desconfiar do Uber, como um santo que desconfia da esmola no dito da avó. Quer dizer que além dos motoristas educados, dos carros melhores, da tarifa reduzida e da praticidade do aplicativo, ainda tem sorvete de graça? Estranho para um povo acostumado a viver na merda. Não há um histórico favorável de livre iniciativa que tenha conciliado qualidade de serviço prestado com preço competitivo, pelo contrário: as alternativas baratas aos serviços prestados hoje são notoriamente conhecidos por sua qualidade inferior, como uma certa companhia aérea e uma certa operadora telefônica. Não sabemos como lidar com uma coisa dessas quando surge, mas pela lei da economia, uma coisa é certa: alguém está perdendo, e se não está, ainda vai perder.
Fato é que o motorista de Uber não é um taxista. Converso com todos eles e sei que não há quem viva só de dirigir Uber. É um complemento de renda, um troco para pagar as contas sem maiores preocupações. Será esse o caminho? A aniquilação de uma classe trabalhadora, que já carrega consigo a fama da má educação, da falta de ética e dos preços extorsivos, em favor de um substituto, digamos, informal? Os jornais, no começo da popularização da internet, reclamavam da perda de audiência em função dos blogs, muitos deles mantidos por leigos, plagiadores e gente que não depende financeiramente do próprio veículo de comunicação. Essa história ainda não acabou, mas isso não quer dizer que perdas não tenham existido nesse meio tempo. O que se sabe é que a acumulação flexível – aqui representado por essas pessoas que topam fazer o mesmo trabalho ganhando menos – desestabilizou a vida boa e deu início a uma corrida por trabalhos cada vez menos rentáveis e mais trabalhosos.
Mas não sei, não sou economista. Só sei que tem sorvete de graça.