Pais: conversem com seus filhos acaso eles te digam que lutam por uma causa. Verifique se eles estão realmente lutando por algo ou estão se associando a gangues de bullying virtual. Eu sei, também me parece difícil apontar o momento em que uma coisa ficou tão próxima da outra a ponto de militantes e psicopatas serem indissociáveis. Talvez seja no fato de se colocar de um lado e isso automaticamente significar se colocar contra o outro lado com toda a violência do ser, ou na falta de diálogo com ideias opostas que a vida virtual tão maleficamente nos proporcionou, ou ainda no apoio vindo da eutourage de agressores que fazem eco à qualquer monstruosidade que se diga, o fato é que há uma porcentagem considerável, infiltrada em todo movimento, de pessoas violentas e covardes que precisam dar vazão a uma agressividade contida — por um mundo de moral estreita, vai saber.
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Há uma série de filmes tosquíssimos de terror distópico chamada The Purge cujas tramas compreendem o mesmo pacto ficcional: um dia da semana em que os cidadãos de bem podem sair às ruas impunemente para fazer a atrocidade que for. Esse natal infrator teria efeitos benéficos na econômica e na violência (praticada fora desse dia, é bom que se diga). Por mais imbecil que a premissa possa parecer, ela parece acertar ao enxergar a violência potencial represada no homem e na mulher comum e seu subsequente desejo arrependido pela restauração da ordem. Como se quiséssemos extravasar nossos impulsos na mesma medida em que ansiamos por uma palmada repreendedora. Queremos o caos só por um pouquinho, e queremos agredir para que depois nos agridam, mas não pelo mesmo motivo queremos as duas coisas. Queremos agredir porque é preciso agredir, mas queremos repressão porque sem ela a agressão pode sair do controle e criar um estado de natureza em que poucos que têm essa necessidade de agredir sobreviveriam – o mais provável é que o triunfo ficaria nas mãos do agressor cotidiano.
Queremos agredir porque é preciso agredir, mas queremos repressão porque sem ela a agressão pode sair do controle e criar um estado de natureza em que poucos que têm essa necessidade de agredir sobreviveriam – o mais provável é que o triunfo ficaria nas mãos do agressor cotidiano.
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“Ei, você, que pensa diferente de mim. As coisas não são assim como você pensa e dificilmente poderia se esperar algo de diferente dessa cabecinha de merda que você tem. Seria melhor você calar essa sua boca fedida porque toda vez que você fala eu tenho vontade de vomitar. Você não sabe o que está falando porque você está de um lado em que não é possível enxergar as coisas como eu enxergo, então vá se foder e aprenda a me escutar mais”. Esse é o tom de uma discussão militante na internet fora do núcleo pensante. Repreensão e agressão muito bem misturados em que as palavras mais pesadas pode ser justificadas por uma suposta falta de paciência aliado a um discurso monocórdico exaustivo. Em meio a uma luta ideológica, um argumento ad hominem parece significar pouco mais do que estratégia de intimidação do interlocutor. Vale tudo pela luta quando há a certeza de estar certo, mas vias físicas para qualquer solução lembraria o caráter negativo que alguns movimentos categóricos tomaram ao longo da história recente. A violência verbal, entretanto, parece ser bem tolerada e até bem-vinda como aparato de controle. Perde aquele interlocutor não tão bom, o que provavelmente preferiria partir para a violência de fato. A “saída fácil”. Não lhe contaram, mas ninguém quer uma saída de verdade. Ninguém sai.