Se é comumente aceito o argumento de que a reunião das experiências formam uma vida, é igualmente verdade que há, em cada geração, momentos-chave, definidores do rumo coletivo de pessoas unidas pela idade, pela localização geográfica ou por outro fator gregário. Digo isso porque cada vez mais me pego pensando sobre o último romance de Milton Hatoum, A Noite da Espera, o primeiro volume de uma trilogia ambiciosa que procura, por meio da ficção de um roman à clef, investigar a formação política e intelectual de um grupo de jovens criados em Brasília durante a ditadura militar do Brasil.
No livro, Hatoum deixa entrever as relações promíscuas entre o poder público e o privado que sempre foram regra no Brasil, mas também a proximidade entre situacionistas e revolucionários em um quadro polarizado que não causa estranhamento algum a um jovem alheio à história recente do país. Por meio de anotações em um diário e trechos de comentários feitos quase uma década mais tarde, com o protagonista morando já em Paris, o escritor tece a teia emaranhada de ambições e decepções de um projeto de nação solapado pela roda viva do jogo de influências que colocou o véu negro da noite de 20 anos sobre o governo. Pois penso que algum caderno nesse sentido deveria ser confeccionado com a maior urgência nos tempos atuais também, muito embora há quem ainda chame o Brasil de democracia.
No livro, Hatoum deixa entrever as relações promíscuas entre o poder público e o privado que sempre foram regra no Brasil, mas também a proximidade entre situacionistas e revolucionários em um quadro polarizado que não causa estranhamento algum a um jovem alheio à história recente do país.
A própria noção de democracia, e nossa busca tresloucada por um conceito arquetípico, dificilmente aplicável em um território da magnitude do nosso, de acordo com alguns estudiosos da área, é fruto de uma geração reprimida por um estado burocrático-autoritário que gerou não apenas seus opostos, mas sua prole direta, desde a oligarquia do Norte e do Nordeste ao gérmen da ideia de que a real necessidade do país, para além de dar voz a todos, é uma mão de ferro que ponha tudo nos trilhos. Escapa ao cidadão comum a noção de responsabilidade republicana, e quem sabe isto também seja o peso da mão pesada daquele Estado. Mas quem é que pode mensurar uma coisa dessas sem medo do equívoco?
Vivemos novamente em tempos polarizados, ideologizados, sem espaço para discussões sérias e gradações de cinza. Para onde vamos a partir daí eu não sei, mas tenho a convicção de que este é o momento que nos definirá. Por isso fazer história é tão cioso, ou deveria ser. Não é hora de brincar com o Brasil.