Aos doze anos de idade, Shaquille O’Neal morava na Bavária. Seu padrasto, o sargento de origem jamaicana Philip Harrison, servia na base de Bad Kissingen, em Wildflecken. A educação alemã para o menino era parte de um exílio e de um longo processo de estranhamento do mundo com o qual nunca soube lidar. Longe da Newark de sua primeira infância, negro em um país saxão e em franco crescimento exponencial – aos treze anos, já alcançava inacreditáveis dois metros de altura –, Shaq era um estranho onde quer que fosse. O gosto pelo esporte despontava no horizonte principalmente como a exacerbação de seus contrastes em solo teutônico. Melhor que se publicizasse tudo, afinal. Mas ainda havia a identidade. Shaq se perguntava o que era enquanto menino desengonçado e aboletado em francas carteiras de mogno ao fundo da classe, entrava em contato com a literatura germânica. Envolto na poesia de Rilke, nas experimentações de Mann, na prosa filosófica de Broch e na narrativa compenetrada de Grass, o enorme garoto americano caiu de amores por um livro que lhe falou à altura do peito: Os sofrimentos do jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe, romântico telúrico que entendia sobre a incomunicabilidade do sentir e sobre a distância feminina.
Shaq, o jovem Shaq, chamado apenas de Shaq por todos, sentiu a literatura como um esporte da alma, e a incontestável necessidade pela escrita, que pôde ser comprovada não apenas na sua autobiografia Shaq Attack, de 1993, mas também na sua obscura e extensa carreira como rapper que se seguiu à publicação (seu segundo disco, Shaq Fu: Da Return, inspirou, em 1994, um jogo homônimo para Mega Drive que ganhou a lendária fama de pior jogo da história), tomou corpo em seu espírito inquieto. Escrevia cartas como Werther, para garotas, mas também para qualquer um que não fosse seu pai biológico. Impossibilitado pelas adversidades da vida e distante pelo abismo do ressentimento filial, Joseph Toney era o verdadeiro destinatário das epístolas intencionalmente extraviadas e redirecionadas para possíveis namoradas, amigos de além-mar e novos contatos de correspondência. Ao final, sempre a mesma despedida que, em suas duas palavras, transbordavam o insistente romantismo alemão de Goethe e companhia. Love, Shaq, escrevia o gigante gentil, tateando pontes onde apenas havia imensidão oca.
Ao observador desatento, Shaq não poderia estar mais oposto a Werther. Não era pálido, pequeno e mirrado como o protagonista suicida que moldou o canhestro ideário amoroso do povo alemão, é verdade, mas guardava em si toda a inadequação necessária para a dor de cotovelo, esse sentimento ainda mais universal do que Goethe poderia se pretender.
Arremessando seu amor ao longe, como quem faz uma cesta de três pontos com uma mensagem na garrafa, Shaq colhia os primeiros frutos maduros de sua tortuosa educação sentimental. Seu coração era sua assinatura, prensada a cera quente com o sinete de seu eterno deslocamento. Ao observador desatento, Shaq não poderia estar mais oposto a Werther. Não era pálido, pequeno e mirrado como o protagonista suicida que moldou o canhestro ideário amoroso do povo alemão, é verdade, mas guardava em si toda a inadequação necessária para a dor de cotovelo, esse sentimento ainda mais universal do que Goethe poderia se pretender. Shaq, antes do basquetebol, alcançou algum sucesso epistolar na Bavária.
Isso até 1989, quando seus conterrâneos do B-52s lançaram “Love Shack”, insípido projeto de rock and roll yuppie que não só terminou de selar o destino da década como também dinamitou a marca registrada do gigante goethiano. Shaq voltou para os Estados Unidos duro no coração, com uma postura rancorosamente anti-intelectual, disposto a criar uma marca que fosse só sua na história de seu país. Nunca mais Goethe, Grass, Rilke, nunca mais Kafka, Döblin ou Broch. Shaq passou a assinar suas cartas de maneira impessoal. Best Regards, Shaquille O’Neal, a caneta traçava sem vontade os papéis em sua mesa. Shaquille O’Neal nunca mais escreveu cartas de amor e desistiu de amar Toney à distância. Também nunca mais ouviu B52s.