Assim como muitas pessoas, conheci o Iron Maiden por meio das camisetas repletas de demônios, de caveiras e de tudo aquilo que meu coração infantil pedia. Quem gostava de ouvir era um amigo meu, o André Renato. Ele tinha muitos discos do Iron Maiden desde criança e até hoje é a banda favorita dele. O fascínio que o quinteto de heavy metal inglês exercia nele despertava a minha curiosidade. Ficava intrigado com aquela coisa diabólica, com o som pesado e com as mensagens em inglês, possível e provavelmente profanas. Um prato cheio para uma criança cristã como eu era. Até que um dia ouvi um disco, certo de que eu encontraria nele a mais pura expressão artística do tinhoso.
Bom, eu não tinha a bagagem necessária para avaliar se era obra do sete-pele ou se não era, mas fiquei com a impressão que o Diabo tinha uma predileção meio descabida pra guitarrinhas dobradas e agudos em geral. Achei meio brega (não saberia dizer isso naquela época, mas foi o que senti) e ainda assim, ouvi bastante por causa das caveiras e diabos nas camisetas. Precisava dessa rebeldia, eu acho.
De novo, faltava-me a eloquência para elaborar isso, mas fiquei com a impressão de duas coisas: a primeira é que tanto Deus quanto o Diabo eram bregas na estética, e que qualquer coisa que a gente fizesse que sugerisse alguma beleza artística era coisa do homem mesmo.
O problema é que a minha referência do outro lado — o lado de Deus — não era muito distante: a Igreja de São Sebastião, em que minha avó me levava, ostentava uma bela escultura em madeira de um São Sebastião cravejado de flechas, além de vitrais de santos sem cabeça, com olhares tristões, sem falar naquele Jesus imenso pendurado sem vida numa cruz que nem um pedaço de couro curtindo no sol. Fora isso, tínhamos as lembrancinhas de primeira comunhão e umas almofadinhas católicas, todas abusando muito do azul bebê, com imagens de anjinhos e inscrições em dourado.
De novo, faltava-me a eloquência para elaborar isso, mas fiquei com a impressão de duas coisas: a primeira é que tanto Deus quanto o Diabo eram bregas na estética, e que qualquer coisa que a gente fizesse que sugerisse alguma beleza artística era coisa do homem mesmo. O divino só se entendia e só existia por meio de obras feias de doer. A segunda é que parecia haver uma complementaridade entre os valores de cada lado: o Diabo, segundo as camisetas do Iron Maiden, gostava de quem maltratava os outros, praticava o mal, enquanto Deus, de acordo com os vitrais e as estátuas da igreja, gostava de gente que se maltratava, que tomava flechada, usava coroa de espinhos e ficava pendurado que nem couro curtido.
Quando eu era criança, minha visão teológica a respeito do sobrenatural era um grande festa sadomasoquista brega, portanto.