Se bem me lembro, foi em 1995 que Adam Sandler mostrou a um planeta recém-globalizado o que era um man-child. Seu filme Billy Madison, um Herdeiro Bobalhão, explicitava os triunfos anti-intelectualistas do capitalismo tardio na pele de um herdeiro milionário que, sem saber, cindia a potência espinosiana em uma pulsão de vida que relegava a força mente à morte por atrofia. Billy Madison foi, do lado de cá do ocidente, o equivalente para a sociedade russa do século 19 o arquétipo do homem supérfluo de Turguêniev. Assim como Adam Sandler, o livro de 1850 do mais ocidental dos russos de ouro escancarava uma nação que prescindia de seus intelectos e parecia não ter problemas com isso.
A economia ia de vento em popa, afinal, e a democracia teria estabelecido seus sistemas de pesos e contrapesos que basicamente fariam a coisa andar por conta própria. Restaria ao eleitor comum meramente escolher os gerentes do parque humano.
Que os perdularismos e excessos de herdeiros mimados fossem tratados até então como uma via normal de atuação por parte de quem tinha tais recursos para esbanjar (vide Abaixo de Zero e outros retratos geracionais como o de Bret Easton Ellis, como o próprio Psicopata Americano), jamais se considerou, entretanto, que alguém pudesse viver em completo exílio de erudição. Billy Madison era um herdeiro, e isso era tudo o que bastava (pelo menos até o começo do filme, que tem como mote justamente a imposição de uma formação escolar ao crianção). Parecia que o filme anteciparia os esboços das Regras para o Parque Humano, do filósofo Peter Sloterdijk, escrito quatro anos depois de Billy Madison. O humanismo hegeliano teria sua base substituída. Investiríamos mais na bioengenharia humana do que na leitura – passaríamos da lektion à selektion para formar os atletas do Estado, centros gravitacionais da antropotécnica.
A economia ia de vento em popa, afinal, e a democracia teria estabelecido seus sistemas de pesos e contrapesos que basicamente fariam a coisa andar por conta própria. Restaria ao eleitor comum meramente escolher os gerentes do parque humano. Por isso o mercado brasileiro não deu muita bola quando, em 1997, um clownesco Alexandre Magno Abrão, vestido com bermudas camufladas, cantava sobre amores não correspondidos, mas vibrou quando, em 2002, lançou a música “Papo Reto”. Ali estava o nosso man-child brasileiro, que gritava “ó, otário eu vou te avisar: intelecto de cu é rola” e demonstrava, com suas letras, a organização da sociedade brasileira não em classes sociais, mas em esferas de disciplina sexual. Seria só mais alguns anos até que Sérgio Mallandro, a criança da pós-redemocratização, ressurgisse das cinzas para surfar na onda do milagre econômico de Lula I e Lula II.
A masculinidade crepuscular de James Bond e adjacências dava lugar, enfim, a uma mais flexível, mais infantil, que se orgulhava de suas camisas largas, seus chapéus cata-ovo, de suas gírias pronunciadas com rugas. Por algum tempo, tivemos dinheiro e estávamos livre do arquétipo do homem de responsabilidades – algo que o oriente nunca entendeu muito bem, e a prova disso é que a Arábia Saudita, Oman, China e Sudão nunca tiveram seus Seth Rogen, seus Bam Margera, seus Remi Gaillard. Por aqui sim, tivemos Chorão, Mallandro, Mamonas Assassinas e toda sorte de manifestação infantil em corpos adultos. A economia ia bem e mandava avisar: intelecto de cu é rola.