São oito horas da noite e minha perna esquerda está o dobro do tamanho. Ponho um gelo e penso sobre as coisas a que nos sujeitamos de bom grado. As ideias que parecem boas, as ideias que são boas, mas que mesmo assim envolvem um certo processo em que não se evitam certas ponderações necessárias a respeito da própria real inteligência.
Piso no chão e uma abóbora toma o lugar dos músculos que crescem ao redor de minha tíbia, de meu perônio, de minha existência ela toda. O desejo da carne é de se arrebentar para os lados, voar como fragmentos de uma granada na direção oposta à dor. O pé se sente traído em sua insuspeita saúde. Nunca antes lhe ocorrera ser a única parte boa do sistema. Quer pisar convicto, firme e destemido, mas o ferrão pungente o convida a uma vida de menos intemperança. O pé direito, por sua vez, trabalha sobrado na sustenção do peso extra a que seu parceiro de função é furtado o direito de suportar. Cansa dobrado, os joelhos enfraquecem. Como no coração partido, sei que tudo isso irá passar, mas sei também que, enquanto não passa, a dor é eterna. Agonia que me puxa para a imobilidade a partir do inferno, o quanto de mim sou eu quando meu livre-arbítrio é sequestrado por uma parte do meu corpo? Sou essa perna, metonímia ignomiosa do corpo livre? Recorro a Hume, Aristóteles, hetoricoxibe, gelo, Morphine — a banda, mas bem que poderia ser o alcaloide –, mas nada me põe a marchar na roda do mundo com a despreocupação de antes. Sou pedra com limo.
Piso no chão e uma abóbora toma o lugar dos músculos que crescem ao redor de minha tíbia, de meu perônio, de minha existência ela toda. O desejo da carne é de se arrebentar para os lados, voar como fragmentos de uma granada na direção oposta à dor.
E volta o papo das escolhas. Estou nessa porque quis estar nessa. Achei que fosse ser melhor, mas subestimei a dor. Erros de cálculo como esses hão de ser alguma falha de inteligência, por certo. Mas de qual inteligência? A corpórea, que conhece os limites do físico? A virtuosa, que encontra o justo meio entre covardia e porralouquice? A geral, que pressupõe que se colocar em uma situação como essa já não é um bom sinal? Talvez todas. Talvez não seja para mim, como as coisas belas na canção de Gershwin. Mas sei também que tudo passará, como na canção de Nelson Ned e, sendo assim, não há muito sentido em calcular falhas de manobra. O importante é que fiz uma tattoo irada brou, fechei a perna AUUUUUU!!