Há duas semanas atrás, tive conjuntivite. A coceira infernal nos olhos seguida de uma sensação de que nada, nunca, iria melhorar, foi diagnosticada por uma médica com muita paciência em uma emergência de hospital durante um domingo à noite. Um colírio especial, algumas dicas de como cuidar sem sair infectando tudo por aí e o mais importante: três dias afastado do trabalho, mediante um atestado médico ousado.
Ficar três dias sem trabalhar é algo indesejável para os chefes, impensável para os workaholics e inviável em tempos de crise e desemprego a níveis estratosféricos. Mas, em se tratando de saúde, vá lá, tem que fingir que é algo ok. A grande diferença aqui é que alguém com conjuntivite não fica em casa três dias para se recuperar, mas, sim, para que outros não entrem em contato com a doença em sua fase mais contagiosa. Uma espécie de mini-quarentena, um isolamento até de certa maneira voluntário em nome de um bem maior, de uma saúde pública controlada e minimamente ética.
Não infectar mais pessoas é parte da moral do infectado, ou pelo menos assim acredita-se, caso contrário ninguém dormiria à noite.
Não infectar mais pessoas é parte da moral do infectado, ou pelo menos assim acredita-se, caso contrário ninguém dormiria à noite. Lendas urbanas de agulhas infectadas com HIV espalhadas em cinemas e outros banquinhos e histórias similares criaram no folclore a figura do infectado ressentido, na vingança biológica e em negatividades circundantes à condição do enfermo, mas eu estava bem e aceitei de bom grado a pausa. Afinal de contas, eu não estava acamado, debilitado, nem mesmo fraco. Estava forte como sempre fui, só com o olho coçando.
Aproveitei esse tempo para me exercitar, botar as pendências da casa em dia (e isso inclui a sempre imobilizante pilha de louça), adiantar trabalhos e ler entre poças de lágrimas acumuladas na pálpebra, entre um colírio e outro. A minha gerente não sabia que fiz tudo isso, mas deve ter imaginado, porque quando voltei ao trabalho, estava decidida a tirar a folga de que tenho direito e que já tinha marcado há meses, provavelmente por encarar licença médica como uma espécie de prêmio.
Em defesa de sua decisão, alegou que eu já tinha ficado incríveis cinco dias fora, incluindo por conta própria o fim de semana, ao qual provavelmente não teria direito também no que dependesse dela. Por sorte, alguém lhe lembrou a tempo que direitos trabalhistas ainda estão meio que na moda e que por mais que o impulso de tratar questões de saúde como feriado, o fairplay ainda é necessário para evitar maiores complicações. Alguém tratou de botar panos quentes em tudo e sequer chegamos a conversar sobre o tema, completamente mediado por outros funcionários.
Fiquei com aquela sensação que se tem ao ver um filme de terror, que aquilo dá medo, mas que ainda se está protegido. E como nada de mais aconteceu, resolvi contar a história numa crônica, ao invés de contar para advogados. Uma boa história como essa não se joga no lixo.