Segundo o catolicismo – uma religião arcaica que já recebeu alguma atenção nos séculos passados – os enfeites de Natal devem ser colocados no dia do advento. Aqui estamos falando do kitsch eurocêntrico das guirlandas, renas, gorros vermelhos, neve falsa sobre as coníferas e velhos gordos encapotados – nada que já tenhamos visto por aqui (talvez à exceção do gorro vermelho, imortalizado como um símbolo de trabalho braçal na bandeira de Santa Catarina). Mas, acima de tudo, as luzinhas pisca-pisca. Digo acima de tudo porque de todos os ornamentos, é o único em conformidade com nossas noites tropicais de postes queimados e mariposas ávidas.
O que, ao menos na minha infância, se restringia aos pinheirinhos de plástico enfeitados com badulaques coloridos, hoje parece extrapolar para todo o suporte possível, como um contágio cintilante. Paredes, pórticos, arcos e contornos, as luzes se apresentam em cortinas, correntes, malhas, véus e se penduram onde podem, fazendo do mundo pretensamente cristão uma grande e única república luminosa. Não demora para que o desejo de encantar pela luz se torne uma disputa vaidosa pela casa ou shopping center mais reluzente. Vizinhos grandiloquentes fazem de sua rua uma atração turística em um bairro desinteressante, e a caça às luzinhas se torna um bom programa em uma época de atrações esvaziadas. A época do Natal parece cada vez mais ser feita de luz.
O que, ao menos na minha infância, se restringia aos pinheirinhos de plástico enfeitados com badulaques coloridos, hoje parece extrapolar para todo o suporte possível, como um contágio cintilante.
Aldous Huxley fala, em seu livro Céu e Inferno – uma continuação de As Portas da Percepção, de 1954, publicada dois anos depois, em 1956 – sobre a experiência visionária diante de uma série de componentes outrora significativos para as religiões. Vitrais, pedras coloridas e preciosas, flores, quadros, estátuas, enfim, tudo aquilo que tivesse o poder do encantamento do mundo foi usado para colocar o ser humano em contato com o metafísico, ou com o transcendente. O cristianismo como religião decadente e atrasada parece ganhar um último fôlego de esplendor com suas luzes diminutas – estranhamente populares em uma sociedade já infestada por elas no dia a dia. Falta, entretanto, a conexão. Não temos mais a capacidade de associar a época de luzes à época mais importante para o mito fundador do ocidente. Nos encantamos com o mundo enquanto nos desencantamos com o Cristo. Melhor assim.