Essa ressaquinha felina que me invade neste lindo domingo é negra. Tira-me toda a pouca sagacidade que acumulei em vida e me convida a uma releitura nada lisonjeira do meu mal-acabado eu. Hoje não venho, não vejo, não venço. Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada e sequer conheço Fulana, mas caso conhecesse, só despertaria sentimentos cristãos nela neste momento.
É negra. Como perder no Banco Imobiliário. A humilhação da dívida, a avenida que o banco te toma e a conta que continua não fechando. Além da capacidade. Negra, do negroni. Gin, Campari e vermute, uma rodela de laranja que, noves fora as boas intenções, nem por um segundo te deixa esquecer de que é uma bebida alcoólica aquilo no seu copo. O negroni sozinho não é o problema, os cinco que tomei ontem a noite parecem mais suspeitos do golpe. Foi súbito e inesperado. Uma hora estava sóbrio, conversador, distribuindo sorrisos e comentários amenos, e em outra, tudo girava e nada mais iria ficar bem de novo. Por sorte já estava sozinho e livre para cair dignamente longe dos olhos de meus pares, como um leão velho que se retira do meio do bando para morrer em paz.
Essa ressaquinha felina que me invade neste lindo domingo é negra. Tira-me toda a pouca sagacidade que acumulei em vida e me convida a uma releitura nada lisonjeira do meu mal-acabado eu.
Agora estou aqui e levantar pode não ser uma opção melhor ao quadro em que me encontro. O teatro é armado e as problemáticas, as promessas de campanha vazias, tudo soa verdadeiro e definitivo. Sei que daqui a pouco vai passar e a cafajestagem moral dará lugar ao franciscano que me olha do outro lado do espelho com olhos misericordiosos. Sei que o crime não compensa, mas que o mal sempre triunfa; que é preciso aprender com os próprios erros, mas que cachorro velho não aprende truque novo; que é preciso perseverar, mas a carne fraqueja.
Todas as sabedorias populares, filosofias baratas e essa psicoterapia de beirada que realizo sem diligência e de forma breve nesta tarde modorrenta não trarão a redenção. Mas o que mais se há de fazer para passar o tempo que se arrasta entre as dobras do edredom? Uma crônica, talvez. É, boa ideia.