Depois de mais de um ano desempregado (bem, tirando dois meses aí), voltei a ter uma rotina de trabalho com carteira assinada. É a minha primeira vez trabalhando fora de uma redação. A minha função agora é das mais monótonas, e exerce sobre mim a contradição de ser, ao mesmo tempo, um desafio à minha mente acostumada com as humanidades e um limbo intelectual completo. O típico trabalho de escritório. Daqueles que envolvem tirar xerox, arquivar pastas, almoçar rápido, mexer com números, lidar com clientes e utilizar programas de computador obsoletos. Daqueles que exigem roupa social, confraternização com colegas, piadas para lubrificar a eterna tensão do momento, crachá, rigidez no horário e o próprio eclipse da sua personalidade, caso você tenha uma. Daqueles nunca sonhados por nenhuma criança quando surge a pergunta “O que você quer ser quando crescer?”. Daqueles que nunca serão interessantes ao ouvido de quem quer que seja. Daqueles em que, caso você bobeie, vai começar a questionar o quê exatamente está sendo produzido ali. Daqueles com altas taxas de suicídio no ranking das profissões. Daqueles que te fazem não se sentir uma pessoa.
A satisfação profissional foi um mito pessoal que caiu por terra quando a chefia do meu antigo emprego me tirou da função que eu mais gostei de exercer como jornalista para uma área com a qual eu jamais sonhei em ter que lidar. A partir daquele ano, trabalhei sem amor todos os dias da minha vida até a diretoria perceber e, nas palavras que eu imagino que eles consideram brandas, “me desligarem”, como naquela cena de Matrix em que o hacker traidor puxa o plug de seus colegas. Não vou dizer que não invejo aquelas pessoas que falam orgulhosamente de seu trabalho, mas também não posso dizer que ainda saiba algo sobre isso. Aprendi que trabalho – esse trabalho que dá dinheiro, porque trabalho com uma porção de coisas legais das quais, caso dependesse, morreria duro – não é lugar de gente feliz, a menos que você seja um profissional competente. O que não é meu caso.
Trabalho para ganhar dinheiro. É isso que meus amigos e parentes ficam me lembrando a todo tempo, como se eu eventualmente esquecesse desse propósito. Não há nada no meu deserto profissional a não ser dinheiro. O que não quer dizer que ele não tenha outras vantagens. Por exemplo, depois de trabalhar sozinho em casa fazendo tirinhas para jornal, é bom ter uma rotina e conviver com pessoas com as quais talvez você não escolhesse conviver. Dessa maneira, como e durmo no mesmo horário de qualquer cidadão ordinário e treino o meu precário traquejo social. Volto do almoço e alguém diz algo genérico como “segundo tempo?” ou “vamos lá” ou “é isso aí”, eu respondo com a mesma irrelevância e dessa maneira, mantemos a certeza de que ninguém ali está a ponto de enlouquecer. Quando ficava dias sem ver alguém, estava ficando louco. Agora, sou apenas triste. É uma vitória.
Não há nada no meu deserto profissional a não ser dinheiro. O que não quer dizer que ele não tenha outras vantagens.
Além disso, meus pais sabem que eu estou ganhando dinheiro suficiente, o que é uma eterna preocupação para os pais. Quando não tinha trabalho, eles me cobravam muito isso, mesmo que eu estivesse realizado investindo nos meus projetos pessoais. Agora, dificilmente se importariam se eu deixasse de fazer as coisas que eu gosto e estagnasse no escritório. Pais são práticos e querem o melhor para os filhos. Como sabem que talvez morram antes de mim, acreditam que o melhor seja ter uma reserva de dinheiro para que eu possa me cuidar. Dar os melhores anos da minha vida para ter uma aposentadoria confortável, uma decrepitude física assistida, a possibilidade de morrer velho e gordo no sofá da sala. Quem não sonha com isso?