Toda segunda escrevo uma crônica neste espaço, e passo a semana pensando em um tema para abordar no texto da vez. Tenho uma certa dificuldade básica em elencar assuntos – algo que qualquer cronista profissional sequer enxerga como obstáculo, imagino eu, salvo uma vez ou outra. Pescar cenas urbanas, pinçar temas relevantes do momento, coisas como essas não são feitas sem que algumas gotas de suor vertam dos meus poros.
Aí vi que o último final de semana foi marcado pelo Enem, um exame que tem como público alvo os alunos do ensino médio, mas que por alguma razão, sempre ganha a atenção de pessoas que não tem a menor ligação com adolescentes ou com o sistema de ensino do país. O Enem dá um tema para que os alunos discorram em suas redações. “Escreva sobre isso”, e lá se vão milhões e milhões de textos sobre o mesmo tema, sem que ele jamais se esgote. O tema desse ano foi a violência contra a mulher, e foi particularmente bem comentado não apenas por ser mais presente no dia a dia do que, digamos, o desmatamento da Amazônia ou o uso das crianças na publicidade (que foi a redação do ano passado), mas também por ser particularmente sensível a uma agenda intelectual específica de grupos progressistas que celebraram a redação da prova como a evidência de um momento – o que é mesmo.
A comemoração foca no fato de que, por meio do tema da redação, o governo reconhece a violência contra a mulher como uma realidade, e obriga uma geração inteira de adolescentes a pensarem sobre o assunto. Peço desculpas se isso soar muito óbvio, mas obrigar pessoas a pensar sobre um assunto é o primeiro passo para alterar a realidade desse assunto. O quanto nele existe é o quanto nele há de problemas.
Peço desculpas se isso soar muito óbvio, mas obrigar pessoas a pensar sobre um assunto é o primeiro passo para alterar a realidade desse assunto.
Diante de milhões de redações que à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo explodem na noite, pergunto, para citar o poeta: o que faz aí minha crônica com seu inaudível ruído? Se ela sequer aborda a questão da violência contra a mulher? E respondo: inaudível, talvez, para quem esteja na constelação de Virgo ou Ganimedes, mas não, talvez, para quem ainda não tenha percebido a importância de se dar temas para textos.