A loja de vinhos é uma loja de vinhos. Parece redundante, mas é preciso ressaltar esse ponto porque a todo momento os vendedores e os próprios compradores de vinhos se esquecem disso. É que a loja de vinhos trabalha com vinhos muito caros, então parece um pouco ridículo que a coisa toda seja tratada como um tipo de loja. É preciso ser mais. Uma experiência. Uma imersão. Uma vivência. Os vendedores são sommeliers. São consultores. Guias da vivência. Condutores da experiência imersiva. Quando se está envolto por vinhos, é bom estar também acompanhado por um Virgílio.
Os vinhos estão todos deitados em suportes, nos quais os preços também estão descritos. Todos iluminados por luzes de LED que permitem com que o comprador de vinho leia todas as informações na embalagem do vinho. Também para valorizar mais o ato de comprar, já que nenhuma daquelas garrafas é exatamente barata. A loja coloca alguns poucos vinhos custando entre cinquenta e setenta reais logo na entrada para não assustar o comprador, mas não se engane: ali as coisas são boas a partir de uns cento e vinte, cento e cinquenta reais. Sem teto.
É que a loja de vinhos trabalha com vinhos muito caros, então parece um pouco ridículo que a coisa toda seja tratada como um tipo de loja. É preciso ser mais. Uma experiência. Uma imersão. Uma vivência.
Um senhor de idade com ar altivo aponta com um gesto contido mas decidido para uma garrafa de mil e oitocentos reais e passa a vista no débito. Outro passa para pegar duas caixas para sua estância de verão no litoral. A máquina da operadora de cartões transmite cifras maiores do que a subsistência de famílias inteiras, maiores do que o salário dos vendedores com a comissão que ganham. A comissão mudou, eles reclamam baixinho. Antes era maior, agora o fim do mês chega com meio milhar abaixo do normal. A economia vai bem ou vai mal, isso pouco importa para o mercado de luxo dos vinhos.
Na loja de vinhos transita-se com cuidado. Como em uma loja de cristais, em que quebrar um cristal acarreta em um pagamento na hora para sanar o prejuízo da loja. Mas também porque as luzes, os rótulos e os preços impõem um nervosismo, uma insegurança sobre o incauto. Tal qual em uma igreja, aquelas pedras preciosas, luzes indiretas e silêncios fazem parecer que algo ali é importante, digno de solenidade e respeito. A loja de vinhos está cheia de boas e deliciosas bebidas. Mas é só na rua que dá pra se sentir bem. A loja de vinhos, se não for encarada como uma loja de vinhos, é um espaço tenso de passagem dos corpos, onde se vai buscar a melhor bebida do mundo, guardada por um ambiente que coloca a coisa sobre o humano. A loja de vinhos não sabe que o que importa é o humano sobre a coisa, e que o vinho é mero catalisador de nossas boas emoções. A loja de vinhos, nesse sentido, não entende muito de vinhos.