Semanas atrás, fui comprar um celular novo pra mim. É parte de um desses esquemas sazonais da vida. Troca-se de carro, de celular, de guarda-roupa, de posição política e do que mais a vida lhe mostrar obsoleto ou inadequado para os novos tempos. Meu plano inicial era pegar um smartphone bom e barato, mas minha mãe insistiu que eu pegasse um modelo mais atualizado de iPhone, já que ele tem um recurso que me permitira clonar o meu antigo em todo o seu conteúdo para o novo aparelho. Achei isso bem razoável e recomendo a quem não gosta de mudanças drásticas na vida.
O curioso mesmo se deu quando o atendente da loja foi pegar o novo celular. Ele vinha em uma caixinha branca bem bonita, embalada em um plástico. Ele fez, com a ajuda de um estilete, um pequeno retalho na película que envolvia a caixinha e me entregou, dizendo “Pode abrir!”. Entendi o que havia se passado. Ele precisava trabalhar, precisava configurar o meu celular novo, mas a ideia de que isso significasse me furtar do prazer de abrir um brinquedo novo como uma criança em dia de natal parecia ser um tabu. Provavelmente este seja até mesmo uma instrução dada pela gerência depois que um sem número de adultos frustrados se queixaram sobre isso.
“Ele precisava trabalhar, precisava configurar o meu celular novo, mas a ideia de que isso significasse me furtar do prazer de abrir um brinquedo novo como uma criança em dia de natal parecia ser um tabu.”
Passei a imaginar essa gente estressada e como seria uma reclamação desse tipo. “O seu atendente tirou o plastiquinho da caixa do meu iPhone” parece uma queixa absurda o bastante para ser dita em voz alta. Talvez tenha sido o brio do consumidor que se esvai diante dos olhos de todos, talvez seja o cochicho com o parente que o acompanha nessas situações (pouca gente se propõe a gastar uma enorme quantidade de dinheiro sem testemunhas), talvez seja o semblante contrariado para o vendedor. Muitos semblantes, aliás, até que se perceba o que afinal, há de errado naquela cena. Enfim, alguém entendeu: “Será que é porque a gente tá tirando o plastiquinho da caixa?” “Não pode ser, é só um plástico, e é transparente! Dá pra ver a caixa através dele. Não é como um presente que você desembrulha”, alguém, racional, contestaria. “Mas e se for?”, treplica o autor do insight, e da insistência se instaura a verdadeira dúvida, aquela que é mais dúvida depois de ter sido descartada sem preocupação uma primeira vez. É isso, então, a causa de tudo? O plástico? Vamos dar o telefone lacrado então, para que os clientes abram, pronto.
Mas é sério isso? É muito sério, a experiência de compra do cliente não pode ser subestimada e precisa ser completa em todos os seus estágios. Façam um talho no plástico para ajudar, mas deixem que ele retire a película. Deixem que abram a caixa e sintam o cheiro do aparelho. Isso, não façam caras contrariadas caso queiram cheirar um celular novo na frente de todo mundo. Ajam com naturalidade diante de tudo. Permaneçam impassíveis a choros, gritinhos de alegria e, se for possível para seus próprios espíritos suportarem, comemorem junto também e se certifiquem de que não haja dúvidas para nossos clientes de que esta é, de fato, uma excelente compra. Deixem a magia da compra acontecer.
“Cara, pode abrir isso aí, sem frescura, vai”.