Em 2021, é difícil escaparmos da sensação de que já vivemos no futuro que a ficção científica do século passado nos prometeu. A onipresença de gadgets conectados à rede, a corrida dos bilionários pelo domínio do espaço, o cenário distópico da pandemia; tudo isso remete às obras de autores visionários que foram capazes de fornecer retratos assustadoramente precisos do seu futuro (nosso presente).
No âmbito do sci-fi, poucos autores foram mais prolíficos, polêmicos e ácidos do que Philip K. Dick. Com sua mescla única de teologia, metafísica, existencialismo, humanismo e psicologia, Dick se dedicou a discutir questões relacionadas à identidade individual e à natureza da própria realidade. Com uma obra extensa e diversificada, o autor oferece narrativas tematicamente sólidas, sucintas e impactantes, e a evolução das questões que lhe interessavam é notável dos primeiros livros aos últimos.
Para quem ainda não conhece de perto a obra do autor de Blade Runner, preparamos essa lista com cinco livros essenciais para conhecer a escrita e a filosofia únicas de um escritor sem pares em toda a ficção científica.
‘Andróides sonham com ovelhas elétricas?’ (1968)
O livro que deu origem ao célebre filme Blade Runner (1982), de Ridley Scott, e sua sequência Blade Runner 2049 não é um clássico da ficção científica por acaso. Em Andróides sonham com ovelhas elétricas?, toda a imensa e hiperativa criatividade de Dick estão em evidência.
Apesar das similaridades com o livro original, as adaptações ao cinema tomam liberdades narrativas e deixam de incluir diversas passagens cruciais do romance. Muitos personagens, tramas, diálogos e elementos de ambientação são exclusivos ao livro, inclusive alguns dos melhores trechos da obra, como a religião do Mercerismo, a motivação do protagonista Deckard de presentear sua esposa com um animal biológico real (algo de extremo valor no futuro imaginado por Dick) e mais.
Por esses e mil outros motivos, esta é uma leitura que mesmo quem já viu e reviu os filmes não pode perder.
‘Ubik’ (1969)
Pessoalmente, acredito que Ubik é o melhor e mais completo trabalho publicado por Philip K. Dick. Com uma narrativa concisa e sem freios, Ubik é a mais intensa amálgama das principais temáticas e imagens que permeiam a obra do autor.
Após um atentado orquestrado por seus rivais, o CEO de uma companhia que fornece equipes de telepatas para empresas interessadas em proteção psíquica contra espionagem industrial é colocado em um estado de “meia-vida”, animação suspensa propiciada por simuladores avançados.
Com sua mescla única de teologia, metafísica, existencialismo, humanismo e psicologia, Dick se dedicou a discutir questões relacionadas à identidade individual e à natureza da própria realidade.
Enquanto sua equipe, liderada pelo protagonista Joe Chip, busca descobrir quem está por trás da tentativa de assassinato, a realidade ao seu redor se transforma lentamente em algo estranho e muito mais sinistro. Nesse labirinto psicológico e metafísico, o esquecimento é sinônimo de morte, e o protagonista precisa desvendar o mistério por trás do colapso da sua realidade antes que seja tarde demais.
Uma leitura imperdível para quem se interessa por sci-fi existencial ou por narrativas de mistério intensas e com conclusões eletrizantes.
‘O homem do castelo alto’ (1962)
O livro que deu origem à série da Amazon Prime é um dos grandes clássicos do subgênero da história alternativa. Ambientado em um mundo em que os vencedores da Segunda Guerra Mundial foram os poderes do Eixo, O Homem do Castelo Alto fornece um poderoso vislumbre de um rumo alternativo que nossa história recente poderia ter tomado, e recebeu o importante prêmio Hugo de melhor romance em 1963.
Com um elenco de personagens memoráveis e conceitos únicos como o uso do I-Ching para profetização do futuro e a popularidade de um romance fictício que retrata o nosso mundo (em que os Aliados venceram a guerra), o mundo de O Homem do Castelo Alto é complexo e sua leitura levanta inúmeras questões que podem gerar debates até os dias de hoje.
Não é surpresa, portanto, que a Amazon tenha optado por essa obra para adaptação às telas. Se você gostou da série ou se interessa por história alternativa, não deixe de ler O Homem do Castelo Alto.
‘O homem duplo’ (1977)
Publicado meros cinco anos antes da morte do autor, O homem duplo é um romance visivelmente escrito por um Philip K. Dick já maduro, no auge da sua técnica, o que também se reflete na temática central, a experiência alucinógena e a guerra às drogas, temas pelos quais o autor se interessou fortemente nos últimos anos da sua vida.
Em O homem duplo, Fred, agente da divisão de narcóticos infiltrado em um grupo de usuários de droga sob a identidade de Bob Arctor, tem como missão auxiliar o governo a descobrir a fonte da Substância D (death), uma droga extremamente viciante e danosa ao circuito nervoso. O mundo de Fred começa a ruir quando a polícia lhe pede para investigar sua própria identidade falsa, e o ato de observar a si mesmo, somado ao uso contínuo da droga, fratura a realidade do protagonista sem possibilidade de retorno.
O livro traz reflexões bastante interessantes sobre a futilidade da guerra às drogas e também fornece um retrato doloroso acerca do vício e das vidas arruinadas por um sistema que visa apenas perpetuar a si próprio. Uma leitura provocante e que continua extremamente relevante até os dias de hoje.
‘Os três estigmas de Palmer Eldritch’ (1965)
Os três estigmas de Palmer Eldritch é um livro estranho; isso já fica claro desde o título, que mescla referências bíblicas ao curioso nome dessa figura enigmática que permeará a obra. Com grande maestria e humor, a narrativa explora temas religiosos e o desejo de fuga da realidade para mundos alternativos nos quais estamos em controle.
Descrever o enredo seria arriscar demasiados spoilers. Por isso, termino esta lista apenas com um forte apelo: se quiser conhecer a mente única de Philip K. Dick em todas as suas facetas, leia Os três estigmas de Palmer Eldritch.
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