Por Otavio Linhares*, especial para Escotilha
Quem escreve quando você escreve? Que vozes ecoam dentro da sua cabeçabismo? Quais saem na forma de palavras e se despejam no papel? Por que essas palavras e por que não outras?
Sempre que sento pra ler alguma coisa, penso muito em como a pessoa escreveu aquilo que ela escreveu. Tenho essa curiosidade mórbida de querer ver através do buraco da fechadura da cabeça de cada um. Pouco importa por quê. Também não sei. É uma curiosidade zoológica, exótica e investigativa. Uma brincadeira de crianças buscando a resposta do quebra-cabeça, da pergunta enigmática, do segredo. Como se vasculhando o texto pudéssemos ir lá no fundo encontrar a pessoa que escreveu aquelas palavras e olhar essa pessoa nos olhos pra que ela dê uma piscadela e com o dedo indicador na frente dos lábios faça pshhh! Você descobriu! Não conte pra ninguém. Será nosso segredo. Quanto mais fundo, maior o segredo a ser guardado.
Habitar o outro.
Esses tempos, vi uma entrevista do Lobo Antunes em que ele falava da tal da “Mão Feliz”. Que, para escrever, a mão precisa estar feliz. Acho que ele é um desses grandes escritores da literatura mundial que têm a capacidade de atravessar o papel com as palavras. Que não se mantém fiel a estruturas narrativas envelhecidas e caducas. Acho que por procurar a coisa diferente dentro de si e de se deixar levar por ela. Pra mim isso é um ato de coragem. Mas segundo ele, a mão precisa estar feliz para que as palavras fluam ininterruptas. É assim que ele fala do seu próprio texto (assista a entrevista no vídeo abaixo).
Mas quais palavras devo escolher para que a estrutura no papel não soe comum e repetitiva, como se ao escrever imitasse outros escritores e/ou outras estruturas?
Não é pra se alimentar que escrevemos. Escrever é um ato de voltar à terra. De findar um ciclo onde a vida precisa se esvair pra recomeçar.
Quando ele diz que a mão deve estar feliz, entendo que não somos nós que fazemos essa escolha. Não é a gente que escolhe. Não é o nosso EU racional e metrificado que diz qual palavra sairá de nossos corpos em direção ao papel. Felizmente não é.
Penso que os grandes textos nascem todos assim como numa dança. Se expelem para fora dos corpos pelo suor, pela saliva, pelo gozo, pelas lágrimas, pelo sangue, através dos buracos dos corpos são compelidos a sair sem escolha e sem possibilidade de voltar. Não é pra se alimentar que escrevemos. Escrever é um ato de voltar à terra. De findar um ciclo onde a vida precisa se esvair pra recomeçar.
Nossos mistérios habitam lugares exóticos e estranhos que quando expostos geram sentimentos e emoções tão estranhas e exóticas quanto o lugar que habitam. Mas que necessitam ser escavados. Acho que é isso que acontece quando encontramos esses lugares, quando metemos o olho no buraquinho da fechadura e descobrimos respostas pros enigmas. Desvendamos mistérios! E não há nada mais prazeroso na existência do que desvendar um grande segredo. E cada um precisa achar o seu jeito de fazer a coisa sair. Mas é um ato de coragem. Seja com a mão feliz ou seja lá como for.
Então a potência existencial do texto diz respeito à potência existencial com que ele foi produzido? Acho que sim.
No mais, um texto quanto mais raso for, mais sem graça será a sua resposta para o mistério.
* Otavio Linhares tem 39 anos e é natural de Curitiba. Tem formação em Filosofia, História, Teatro e Dramaturgia. É editor do selo ENCRENCA e da Revista Jandique.