Na manhã desta quinta-feira, em Estocolmo, a Academia Sueca, responsável pela premiação do Nobel de Literatura, anunciou Annie Ernaux com a agraciada com a honraria.
Pioneira na autoficção, a romancista francesa Annie Ernaux é conhecida por seus livros intensamente pessoais, que dão enfoque a incidentes que se passaram em sua própria vida, como um aborto clandestino na década de 1960, além de um caso extraconjugal.
Autora de obras consideradas clássicos modernos na França, já havia recebido outras honrarias, como o prêmio Marguerite Yourcenar pelo conjunto de sua obra.
No discurso de anuncio do Nobel de Literatura, Mats Malm, secretário permanente do Comitê do Nobel, comunicou a decisão afirmando que Ernaux foi agraciada “pela coragem e sagacidade com que descobre as raízes, estranhamentos e restrições coletivas da memória pessoal”.
Aos 82 anos, Annie Ernaux é apenas a 17º mulher a receber a distinção da Academia Sueca, considerada a mais prestigiosa da literatura mundial, entregue desde 1901.
Uma autora das classes operárias
Annie Ernaux nasceu na França em 1960, na cidade de Lillebonne, mas cresceu em Yvetot, na Normandia. De família de origem das classes trabalhadoras, estudou na universidade de Rouen e depois Bordeaux, onde se qualificou como professora, obtendo diploma em literatura moderna, em 1971.
Sua estreia na literatura ocorreu em 1974, com Les Armoires Vides (não publicado no Brasil), mas é a partir de seu quarto livro, O Lugar (Fósforo Editora, 2021), que suas memórias, sociologia e história se cruzam.
Pioneira na autoficção, a romancista francesa Annie Ernaux é conhecida por seus livros intensamente pessoais.
O livro, que lhe rendeu o Prêmio Renaudot, é uma narrativa autobiográfica focada no relacionamento que teve com o pai, suas vivências enquanto crescia em uma pequena cidade da França e sua mudança na vida adulta para um local longe da origem dos pais.
Indicada ao International Booker Prize em 2019 por Os Anos, Ernaux é conhecida por seu engajamento político no campo da esquerda. Foi signatária do Apelo dos 58, manifesto de personalidades pela liberdade de expressão, feito na sequência do atentado ao Charlie Hebdo.
Annie Ernaux: uma autora de dentro para fora
Os Anos, uma autobiografia experimental que une eventos de mais de 70 anos de vida da autora com a história francesa, é um dos títulos mais conhecidos de Annie Ernaux. É também considerado por muitos sua obra-prima.
Todavia, seu trabalho é um extenso mergulho em uma combinação de experiências históricas e individuais. Ernaux analisa a ascensão social dos pais (O Lugar, A Vergonha), sua adolescência (Ce qu’ils disent ou rien), seu casamento (La Femme Gelée), o aborto (O Acontecimento), a morte da mãe (Une Femme) e até o câncer de mama (L’usage de la photo).
Ao se concentrar na autobiografia, a autora conseguiu estabelecer uma trajetória em que a própria vida é ponto de partida para analisar de forma vívida a sociedade francesa, com todas suas idiossincrasias.
Seus títulos oferecem ao leitor uma “autenticidade lancinante”, como descreveu a romancista Claire Messud em entrevista ao The New York Times em 1998. Ao longo de sua carreira, revelou os meandros, todo o subsolo do que costumamos chamar de memórias. Uma carreira certamente brilhante.
Autora estará na Flip
A próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) havia anunciado Annie Ernaux no mês passado como principal nome internacional da edição. Sua presença após o recebimento do Nobel de Literatura torna ainda mais importante sua participação.
A escritora de 82 anos estará em uma das mesas de sábado, ao lado da brasileira Veronica Stigger. Fica a expectativa para que mais de suas obras sejam publicadas nos próximos meses, seguindo a tendência de investimento na publicação de autores laureados com o Nobel.
Nobel de Literatura volta a ser dado a autora já publicada no Brasil
Annie Ernaux levará para casa 10 milhões de coroas suecas, algo próximo de US$ 911 mil, pouco menos de R$ 5 milhões, na cotação atual. Sua vitória mostrou, mais uma vez, que as casas de apostas não têm o hábito de acertar – muito menos os fãs de autores.
Apesar do anglo-indiano Salman Rushdie ter crescido na preferência do público após o atentado contra sua vida, ele não foi vencedor. Nomes como o queniano Ngugi wa Thiong’o e do japonês Haruki Murakami sempre estão na lista, mas, ao que tudo indica, dificilmente receberão o Nobel de Literatura.
Com a premiação indo para Annie Ernaux, a Academia Sueca encerrou, momentaneamente, a série de escolhas de autores pouco conhecidos no Brasil. No ano passado, o tanzaniano Abdulrazak Gurnah havia sido o premiado, mas só chegou às livrarias este ano, editado pela Companhia das Letras.
Em 2020, a poeta norte-americana Louise Glück desbancou favoritos, mas só chegou a ser publicada aqui depois da honraria. O mesmo ocorreu com a polonesa Olga Tokarczuk, em 2018. Ao todo, 119 pessoas já receberam o Nobel de Literatura, sendo Ernaux apenas a 17ª mulher.
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