No texto anterior que dediquei a Bruno Schulz, tentei fazer alguns apontamentos sobre a aura mítica que se criou ao redor do autor e mencionei, muito por cima, algumas leituras possíveis. Hoje, tento fugir do autor e sua obra e dedico-me um pouco à sua vida.
Inicialmente, pensemos no “onde” essa vida se deu.
Drohobycz era uma cidadezinha pacata do interior da Galícia (atenção: Galícia do Leste, não a Galícia da Península Ibérica), habitada basicamente por poloneses, ucranianos e judeus. Portanto, era uma cidade multicultural. Se visitássemos a cidade, ouviríamos iídiche, polonês, ucraniano e alemão nas ruas. Eu usei “cidadezinha pacata”, mas, nem de longe, Drohobycz era um fim de mundo. A cidade contava com uma vida cultural ativa e a proximidade com Lwów (um importantíssimo centro cultural, à época) facilitava muito as coisas. Outro ponto importante: na região de Drohobycz, no final do século XIX, foram descobertas reservas de petróleo.
Esta afirmação final nos conduziria a uma leitura sociológica de alguns contos de Schulz, mas não quero me enveredar por isso (não agora, pelo menos).
Drohobycz ficava na Polônia? Não. E sim. E depois não, novamente. No curto espaço da vida de Schulz, a cidade foi parte do Império Austro-Húngaro, da Polônia, da Ucrânia Oriental, da URSS e do III Reich. Depois do apocalipse, Drohobycz voltou a ser parte da URSS e, atualmente, é uma cidade de porte médio na Ucrânia.
Mais ou menos situados no onde, agora vamos à vida.
Não deixa de ser curioso de se pensar que, de certa forma, Schulz muitas vezes torna-se uma personagem ficcional na literatura científica dedicada a ele…
Bruno era o terceiro e último filho de Jakób (hoje se escreveria Jakub) Schulz e Henrietta Hendel-Kuhmärker. Filho temporão, diríamos. Nunca chegou a conhecer seu pai plenamente saudável; precisamente, a doença de Jakób leva Henrietta a assumir o comércio da família.
E qual a razão de precisarmos conhecer estas informações? A resposta é falsamente simples: encontramos cenário muito semelhante nas narrativas de seus dois livros e quatro contos publicados em vida. Porém, reitero: não creio que se deva fazer a leitura simplificadora de que Schulz escreveu apenas a história de sua vida.
Schulz era um bom aluno e, após terminar a educação básica, mudou-se para Lwów, a fim de estudar arquitetura.
Aqui há uma lenda interessante: é comum afirmar que Schulz nunca saiu de Drohobycz ou que nunca “passou a noite fora” de Drohobycz. Não sei quando nem onde surgiu esta lenda, mas a imputo à tentativa de criar a tal aura mítica a seu redor (não deixa de ser curioso de se pensar que, de certa forma, Schulz muitas vezes torna-se uma personagem ficcional na literatura científica dedicada a ele…).
O pai adoece gravemente, assim como o próprio Bruno, e o rapaz volta para a casa dos pais. A explosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) força a família a se mudar para Viena.
Em 1915, Jakób Schulz morre.
A morte do pai é um ponto central na vida de Bruno Schulz. A partir deste momento, ele se torna responsável pela sobrevivência da mãe e assume o papel de arrimo de família.
Encontramos um pai adoecido nos ciclos de contos: o pai sempre está agachado, de cócoras, está doente, sofre metamorfoses (e isto nos remete a uma história interessantíssima que envolve Franz Kafka), assume o papel de um demiurgo, desce ao reino dos mortos. A mãe, por sua vez, está muito ocupada com a realidade. Estas são mais coincidências entre a vida de Bruno Schulz e seus contos.
Qual era o trabalho de Schulz? Quando começou a escrever? E o Kafka? Estas e outras inquietações ficarão para o próximo texto.