Continuando a série de textos sobre a vida e a obra de Bruno Schulz (os outros textos podem ser lidos aqui e aqui), agora nos aproximamos do final trágico de sua vida.
Recordo: o pai de Bruno Schulz, Jakób Schulz, morre em 1915.
A família retorna a Drohobycz naquele mesmo ano. Com o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), também se assiste à implosão do Império Austro-Húngaro e, finalmente, depois de 123 anos, a Polônia volta a existir como um país independente.
Se, por um lado, a vida cultural polonesa efervescia, com importantes movimentos vanguardistas, com uma imensa produção cultural, a vida de Bruno Schulz segue por sendas menos luminosas. Schulz passa a ser arrimo de família e consegue uma posição como professor de desenho na escola em que estudara. O nome da escola mudara: homenageava Francisco José I, passou a homenagear Władysław II Jagiełło, rei da Polônia entre 1386 e 1434.
Em 1918, Schulz passa a fazer parte de um grupo de intelectuais de Drohobycz, chamado Kalleia (“as coisas belas”, em grego). Neste contexto, Schulz lança, em 1922, uma série de desenhos com motivos masoquistas: Xięga Bałwochwalcza (O Livro Idólatra), em que representa mulheres de pernas esguias e homens deformados, idolatrando as pernas femininas (muitas vezes, pode-se reconhecer traços do próprio autor nos homens).
A empreitada não é bem sucedida e consegue desagradar alguns grupos mais conservadores (houve, inclusive, um senador a acusar Schulz de “apologia da pornografia”, coisa que jamais aconteceria em um país como o Brasil de 2019).
O horror nazista ceifou a vida de Schulz e, também, seu terceiro livro, que seria intitulado O Messias.
Schulz segue um ilustríssimo desconhecido no cenário cultural polonês até 1933, quando, com apoio da grande escritora polonesa Zofia Nałkowska, consegue publicar seu primeiro ciclo de contos, intitulado Lojas de Canela, pela prestigiosa editora Rój. Seu début literário, contudo, acontece um pouco antes naquele mesmo ano, com a publicação do conto Os pássaros na revista Wiadomości Literackie (algo como “Novidades Literárias”).
De início, não houve maiores mudanças na vida quotidiana de Schulz, que seguiu dando aulas de desenho. Com o passar do tempo, porém, deu-se o início de uma profícua troca de cartas com grandes nomes da cultura polonesa de então. Todos os nomes seriam interessantes de mencionar, porém, a fim de não chatear as senhoras e senhores com o excesso de consoantes, limitarei a lista a três nomes, já citados anteriormente: Debora Vogel, Stanisław Ignacy Witkiewicz e Witold Gombrowicz.
Em 1935, outro evento de importância na vida de Schulz: dá-se sua estreia como tradutor. E uma estreia ambiciosa: o professor de desenho de Drohobycz traduziu nada menos do que O Processo, de Franz Kafka. Aqui se inicia uma linha interessante na vida de Schulz, mas que será objeto de outro texto…
Em 1936, Schulz se afasta formalmente da comunidade judaica de Drohobycz para que pudesse casar-se com sua noiva, Józefina Szelińska. O casamento, porém, nunca ocorreu.
Em 1937, Schulz lança seu segundo ciclo de contos, intitulado O Sanatório. Por esta obra, o escritor recebe um importante prêmio da Academia Literária Polonesa e, enfim, seu nome consegue eco nos salões literários poloneses do entreguerras. Contudo, Schulz tinha planos mais ambiciosos e, naquele mesmo 1937, envia a Thomas Mann, grande romancista alemão, o conto “Die Heimkehr” (O Regresso ao Lar). Jamais obteve resposta.
A conturbada paz (ou não paz) que houve na Polônia entre 1918 e 1939 acaba no fatídico 1 de setembro de 1939, quando as tropas nazistas invadem o país. Drohobycz, contudo, ficaria do outro lado da linha do Pacto Molotov-Ribbentrop e, pois, o exército vermelho assume o controle da cidade. No mundo stalinista, não há lugar para a estética schulziana e o autor recolhe-se, mais uma vez, à vida de professor de desenho.
Mais uma reviravolta: em 1941, o regime nazista viola o pacto de não agressão e o controle de Drohobycz passa para mãos do hitlerismo. No outono daquele ano, os judeus de Drohobycz são removidos para o gueto da cidade.
Começa o fim.
Bruno Schulz, por suas habilidades como desenhista, consegue a “proteção” de um oficial da Gestapo, Feliks Landau. Schulz passa a pintar desenhos no quarto da filha de Landau. Ser protegido por oficial da Gestapo certamente não garantia proteção alguma e Schulz começa a planejar sua fuga.
O artista hesita longamente (tempo demais), mas por fim consegue documentos falsos, com ajuda de seus amigos em Varsóvia. Um dia antes da planejada fuga, muito provavelmente em 19 de novembro de 1942, Schulz é assassinado por outro oficial da Gestapo, inimigo de Landau. Segundo relatos, Schulz leva dois tiros na cabeça e cai morto na esquina das ruas Mickiewicz e Czacki. Seu corpo só será retirado no dia seguinte.
O horror nazista ceifou a vida de Schulz e, também, seu terceiro livro, que seria intitulado O Messias. Alguns trechos podem ser lidos em sua longa obra epistolar, mas não há notícias sobre o paradeiro dos manuscritos.
Não há túmulo para Bruno Schulz.
A vida de Schulz pode ser conhecida, com muitos mais detalhes, em diversas obras biográficas (faço menção especial à obra de Jerzy Ficowski, traduzida para inglês). Schulz também frequenta a ficção, e menciono especialmente o livro Ver:amor, de David Grossman, onde encontramos um conto dedicado a Schulz.
Os próximos textos serão dedicados a episódios específicos da vida e, principalmente, à obra artística de Schulz. Até lá!