“No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”, afirmou Andy Warhol na década de 1960, enquanto criava seus retratos silk screens baseados com rostos de celebridades, acidentes automobilísticos e objetos do dia a dia – algo que deixaria Duchamp perplexo. Quando o YouTube surgiu, em 2005, os vídeos upados no site não podiam ultrapassar essa mesma duração. A profecia do pai da pop art estava certa.
Passados 13 anos, o YouTube se tornou um grande repositório das nossas memórias e dos nossos olhares sobre o mundo. Os vídeos tratam de absolutamente tudo: de uma visitada ao zoológico – como o primeiro upload do site – até como construir um molotov – muito mais simples que o manual do guerrilheiro de Marighella. Ao contrário do que poderíamos imaginar, o site criado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim é, nos últimos anos, um espaço para a divulgação da filosofia.
Alain de Botton, responsável pela School of Life, foi o primeiro filósofo a se transformar em um fenômeno pop. Seus livros, Curso do amor, Notícias, Arte de viajar, A Arte como Terapia, Religião para ateus são alguns dos que tomaram de assalto os jovens que, por acaso ou não, assistiram aos seus vídeos no YouTube. Rebecca Solnit, publicada há pouco por aqui, é um nome-chave para entender o feminismo atual. Leandro Karnal, Clóvis de Barros Filho e Mário Sérgio Cortella formam a santíssima trindade da filosofia pop no Brasil. Márcia Tiburi, responsável por Como conversar com um fascista, também é destaque no cenário nacional.
Os três, que se alternam frequentemente nas listas dos mais vendidos, são responsáveis por uma aproximação do homem médio ao saber filosófico. Nesta quinta-feira (31/5), O Inferno somos nós, de Karnal e Monja Coen, figurava na lista do PublishNews em 14º no ranking geral e em 2º lugar na categoria de não-ficção, perdendo para Yuval Noah Harari e seu Sapiens, também um grande fenômeno. Cortella esbanja dois títulos nesse nicho mais específico: A sorte segue a coragem! (6º lugar) e Box – Mario Sergio Cortella (11º lugar).
Karnal, em entrevista à revista Trip, enxerga no uso das redes sociais e nos mecanismos midiáticos a projeção de Narciso. “Todos buscam a comunicação, querem essa importância. Eu gosto de dizer coisas que tirem as pessoas das zonas de conforto mentais e indico obras que levem as pessoas a pesquisar por si. Quando eu indico que as pessoas escutem o ‘Concerto em lá menor’ de Schumann, que morreu louco, e digo que sua esposa Clara Wieck arrastava asa para Brahms, eu tô tentando puxar pra um campo que geralmente a televisão não puxa, que os jornais não puxam”, afirma.
Em tempos de fragilidade, melhor que podemos fazer é pensar.
A disseminação da filosofia – do pensamento crítico e da ideia de confrontação do status quo – por meio dos instrumentos de comunicação de massa é uma espécie de Cavalo de Tróia da era digital (Não confundir com os vírus, por favor). É importante popularizar o pensar filosófico, colocando na pauta do café da manhã, do almoço da firma e do papo no ponto de ônibus. Trazer à tona os dilemas que assombram nossos dias é uma leitura fundamental de mundo, uma leitura contra as notícias falsas que enchem nossos feeds e caixas de e-mail. Se, até pouco tempo atrás, a filosofia era só uma matéria chata da escola, agora ela se vê metamorfoseada em uma necessidade constante para a autorreflexão e o autoconhecimento.
Para Cortella, o momento atual brasileiro é um convite à autoanálise, tamanha a complexidade à qual estamos sujeitos. “Vivemos um momento estupendo por que vivemos um momento incômodo, perturbador, febril, mas ele é magnífico porque traz uma ocasião de nossa reinvenção. Nunca tivemos a chance, nos últimos cinco anos, de impedir que a patifaria fosse sempre vitoriosa, e isso nos colocou em duas dimensões. A de olhar para cima e procurar aqueles que sujaram o nosso dia a dia. E de olhar para dentro e perceber o quanto de sujidade existe em nossas ações do cotidiano. Tenho uma visão esperançosa na medida em que vivemos uma circunstância absolutamente inédita e importante. Não há cura sem febre. Estamos em um momento febril. Porém, em uma democracia mais consolidada. Podemos ter uma postura acovardada ou fazer da decência nossa referência. A democracia é uma plantinha frágil que precisa ser regada todos os dias”, comentou à Isto É em 2016.
Cortella desbrava ainda a podosfera. Com dois programas pela CBN, o filósofo apresenta os podcasts A Escola da Vida, cujos temas são educação, cidadania e aperfeiçoamento do ensino, e Academia CBN, sobre relações humanas. Os 15 minutos de fama de Warhol não são mais temporais: são uma grande metáfora – e convite – para que façam a sua parte em permitir que o mundo seja um lugar habitável. Em tempos de fragilidade, melhor que podemos fazer é pensar.