Escrito por Otto Leopoldo Winck, Cosmogonias (2018, Kotter Editorial) não é um livro fácil. Nem de palavras fáceis… a começar pelo título.
“Cosmogonia” é um discurso sobre a origem do mundo, do tudo, do universo. Quando temos cosmogonias (no plural), teríamos uma multiplicidade de discursos? Do mundo? Da poesia? Dos deuses – aqueles que, segundo Winck, nascem da angústia?
Os deuses, os poemas nascem da angústia e “a fé é irmã da angústia”, escreverá o poeta. Há uma profusão de temas e citações (algumas ocultas, outras nem tanto). A oficina poética de Otto Winck exige do leitor familiaridade com Borges, com Drummond, com Dante, com Rimbaud, com Fernando Pessoa e com tantos outros, com toda uma miríade (para que nos mantenhamos na metáfora cósmica) de grandes autores:
“volta e meia esta luta:
corpo insone
mente insana
e esta lua…”
‘Cosmogonia’ é um discurso sobre a origem do mundo, do tudo, do universo.
Para além da menção ao poema drummondiano, temos a evocação ao velho poeta romano Juvenal, que nos ensinava que, primeiro, devemos desejar “mens sana in corpore sano” (mente sã em um corpo são). O mesmo poema (“Ocidente”) terminará com uma operação complexa, que poderá remeter o leitor a Fernando Pessoa:
“(No entanto, do outro lado da rua,
o guardador de carros
não tem dúvida: se não descolar vinte pratas,
dorme na rua.)”
Há algo, parece-me, de “Esteves sem metafísica” nesse guardador de carros, também algo de “guardador de rebanhos”. O que não deixa de ser curioso, pois pode-se dizer que Alberto Caeiro é o mais metafísico dos heterônimos pessoanos.
Porém, nem só de operações complexas são feitas essas Cosmogonias. É o caso do poema “Microcosmos”:
“Se fez uma tempestade
num copo dágua,
é porque havia dentro
um oceano inteiro.”
Se o homem é um pequeno universo (anthropos mikros kosmos), então um copo d’água pode ser um oceano inteiro… especialmente se comportar uma tempestade inteira.
Talvez uma pista sobre a poética de Winck se encontre no poema “Aleph”:
“Mas em minha voz
– já sem fôlego –
repercutem as vozes todas
desde Adão.”
A primeira letra do alfabeto hebraico, letra rebelde, também é o nome do famoso conto borgiano sobre um estranho objeto que, dos subúrbios de Buenos Aires, permite ver o universo inteiro. Parece se tratar disso: um fazer poético que se permita mostrar toda a literatura. Ou, talvez dissesse o próprio poeta: um salto no abismo – uma imagem recorrente ao longo da obra.
Sem dúvida, uma grande tarefa.
Em tempo: o trabalho editorial mereceria um texto à parte.
COSMOGONIAS | Otto Leopoldo Winck
Editora: Kotter Editorial;
Tamanho: 120 págs.;
Lançamento: 2018.