A tradicional divisão entre alta e baixa literatura é dissolvida na contemporaneidade? A (provável) resposta é sim. Neste artigo discutiremos um pouco sobre este debate que ainda se faz necessário. Nossa hipótese: a Literatura hoje é literaturaS, no plural e com ‘s’ maiúsculo. Ou será que não?
Vemos espalhados por aí vários núcleos onde se debate literatura, sejam eles universitários, jornalísticos ou de outros tipos. Há muito peso ainda para a palavra “literatura” (e ela vem muito no ‘l’ maiúsculo ainda). Ao mesmo tempo, nunca tivemos tanta literatura circulando no mundo quanto na contemporaneidade. Mais do que isso, nunca tivemos tanta gente lendo, tanta gente com acesso à educação. Por que esse distanciamento da “Literatura” ainda existe?
O debate é velho, mas a necessidade de alimentá-lo persiste. Afinal, ainda há muitas pessoas que pensam em literatura dentro de um espectro pequeno. As mudanças em questões de produção, circulação e recepção literária vivem uma dinâmica incrível e de números muito altos. De alguma forma, muitas pessoas acham que isso não muda (quase) nada. Literatura é só alta literatura. E ainda aceitamos esse papo porque parecem ser as pessoas mais entendidas de literatura a dizer isso… Mas esse debate precisa ser mais democratizado.
No espírito dessa democratização: entendemos toda a ficção como literatura, sem julgamentos de valor na definição. Isso em si já é um passo que muita gente envolvida de perto com a literatura não assume. Mas não é bondade tomar esse conceito amplo, não. Vivemos em uma época que presencia o crescimento de um filão de literatura que muda o jogo. Trata-se da alta literatura com alta vendagem.
Não faz muito tempo, o critério para “literatura baixa”, “literatura popular” e “literatura de massa” era a alta vendagem. Um critério informal de classificação, porque não há um critério sério e consensual. Mas servia. Hoje, há uma crescente literatura apreciada pela Academia (olha o maiúsculo!) e pelos críticos que também é muito lida. Lida por milhões. E agora? Como fica a luta para preservar a alta literatura da leitura superficial das massas?
O debate é velho, mas a necessidade de alimentá-lo persiste. Afinal, ainda há muitas pessoas que pensam em literatura dentro de um espectro pequeno.
A democratização da educação, da publicação e da leitura criou um grande mercado e novos estímulos. A alta literatura começou a circular por todas as camadas sociais. As novas camadas leitoras produziam e consumiam outro tipo de literatura. Mais jogadores entraram no jogo. A mestiçagem veio para ficar e todo tipo de obra surge. A medida vai ser ainda só uma mesma? É usar metros para medir peso?
Além disso, a criação de um mercado mais amplo para a literatura trouxe novas oportunidades. Acompanhamos uma crescente profissionalização da escrita. Claro, não é um mercado com espaço em que todos vivem somente de sua produção literária. Tudo bem. Mas os espaços que existem estão atraindo muitas pessoas. Há muitos cursos em língua inglesa que formam escritores como formam qualquer outro profissional. No Brasil, vemos pipocar mais cursos como esses. O escritor profissional, tempo integral, que leva seu trabalho muito a sério, existe. E seu lugar é cobiçado.
A alta literatura, amada também pelas massas, se vê representada em vários nomes. Karl Ove Knausgärd, Elena Ferrante (quem quer que ela seja), Ana Cristina César, Bernardo Carvalho, Hilda Hilst, Ian McEwan, Chimamanda Ngozi Adichie, Michel Laub, Jonathan Franzen, Zadie Smith… Autores que se profissionalizaram, que beberam das fontes clássicas sem abandonar as referências pop e contemporâneas, que vendem muito porque muitos os leem. Tal grupo muito representativo de literatura contemporânea derruba a divisão entre alta literatura e literatura baixa, literatura lida por pessoas demais.
Por outro lado, lembramos que muita literatura que não é levada a sério pela crítica e pela Academia também não vende tanto assim. Vende menos até que os clássicos. Existem gêneros e subgêneros literários, como o faroeste, que não vendem muito e são considerados baixa literatura. Para quem pensa literatura de massa como baixa literatura, emerge aí uma inconsistência. Novamente a separação entre as literaturas parece difícil de defender logicamente…
E agora? Bem, agora é tempo de deixar de discriminar um autor ou uma obra sem conhecê-la. É momento de aceitar a convivência de diversas literaturas, toda literatura e cada grupo um tipo de literatura. A convivência entre diferentes não se refere só aos homens e mulheres de uma nação livre, mas também suas culturas – e seus livros.