O quadrinista e professor Marcelo D’Salete tem uma temática recorrente em seu trabalho: ele aborda sobretudo a história nacional sob um ângulo menos visibilizado tradicionalmente. Dentre os assuntos, estão a desigualdade social, o racismo e a escravidão. O resultado é uma obra bastante premiada: Angola Janga – Uma história de Palmares, de 2017, venceu o Prêmio Jabuti, o Grampo de Ouro 2018 e o 30º Troféu HQMIX 2018; Cumbe, de 2014, levou o prêmio Eisner, considerado o “Oscar dos quadrinhos”.
Recentemente, lançou Mukanda Tiodora, que foca na escravidão em uma São Paulo na década de 1860, compartilhando a história de Tiodora, uma mulher escravizada que busca conquistar sua alforria pelas palavras. Em entrevista à Escotilha, Marcelo D’Salete discute a importância dos quadrinhos para a educação e dá detalhe sobre o seu processo criativo.
Escotilha » Seu trabalho tem uma marca muito forte com o compromisso social e trazer momentos históricos, sobretudo focando na história dos excluídos. Queria que você comentasse um pouco sobre como é o processo de pesquisa e produção dessas graphic novels.
Marcelo D’Salete » Meu processo de produção dessas histórias em quadrinhos – Angola Janga, Cumbe, Encruzilhada, Noite Luz e Mukanda Tiodora – leva em consideração um grande tempo de pesquisa e estudo sobre um determinado tema. Tenho uma gama de interesses que geralmente fazem parte das minhas leituras. Em certo momento, eu acabo escolhendo os temas que mais estão conectados comigo e que pretendo compreender um pouco mais.
Depois disso, passo para as primeiras anotações, a elaboração do roteiro, esboços e finalização do quadrinho. Geralmente acabo trabalhando a mão no caso do desenho e da finalização. Somente na etapa final, para colocar os balões, eu utilizo o computador, e depois para editar no formato de livro.
Além de quadrinista, você também é professor. Como as HQs podem servir também como instrumento didático em sala de aula? E isso é reconhecido dentro das escolas?
“O quadrinho é um recurso extremamente significativo para estar inserido dentro do campo da educação”.
Marcelo D’Salete
O quadrinho – assim como o cinema, a música, a fotografia e várias outras artes – é um instrumento extremamente relevante e necessário dentro da educação. Nós tivemos um movimento há mais de uma década de inserção dos quadrinhos em sala de aula. Isso teve uma pausa nos últimos anos, mas creio que é preciso retomar, pois o quadrinho é um jeito único de tratar de diferentes assuntos de um modo dinâmico, complexo e interessante. O quadrinho é um recurso extremamente significativo para estar inserido dentro do campo da educação.
As suas obras, como Cumbe, Angola Janga, e mais recentemente Mukanda Tiodora, fazem retratos sobre diferentes momentos e locais da escravidão no Brasil. Como quadrinhos como o seu estão ajudando a sedimentar facetas do nosso passado que ficaram apagadas?
O meu quadrinho, de certo modo, está conectado com muitos interesses sociais e históricos que fazem parte da minha trajetória como jovem, negro e periférico em uma universidade público. Meus livros são recursos que eu acabei utilizando como uma possiblidade para repensar momentos a partir dessa linguagem maravilhosa. Pelo retorno que tenho de professores, gestores e críticos, eu percebo que há uma lacuna enorme dentro desse meio e uma urgência e necessidade muito grande para tratar desses assuntos, utilizando diferentes mídias. O quadrinho cumpre bem esse papel.
Por fim, queria que você comentasse um pouco sobre a importância da Bienal de Quadrinhos de Curitiba. Como você hoje o campo dos quadrinhos enquanto área profissional para os artistas brasileiros?
A Bienal de Quadrinhos de Curitiba é um evento histórico bem importante dentro do cenário das artes gráficas no Brasil. Com certeza, no futuro, quando falarmos de quadrinhos, eventos como a Bienal serão um dos momentos muito relevantes para tratar dessa história. É um espaço para o público encontrar os artistas, mas também dos artistas realizarem seus contatos e suas trocas.
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