O autor Santiago Nazarian é um veterano das letras. Aos 46 anos, ele já tem treze livros publicados (o primeiro foi Olívio, em 2003) e acabou de lançar Veado Assassino pela editora Companhia das Letras. Com uma longa carreira consolidada na literatura, Santiago também atua como roteirista e é tradutor de várias obras.
Suas obras são marcadas por um estilo notável, e que costuma ser usado para refletir sobre questões atemporais e da contemporaneidade. Logo no início de sua trajetória como escritor, Nazarian foi reconhecido em 2007 como um dos autores jovens mais importantes da América Latina no Hai Festival, em Bogotá. Em 2021, sua obra Fé no Inferno foi finalista dos prêmios Jabuti e Oceanos e conquistou o segundo lugar no Machado de Assis, da Biblioteca Nacional.
Em Veado Assassino, sua obra mais recente (leia crítica aqui), o autor cria uma espécie de fantasia provocativa a partir da história de um adolescente não-binário que realiza um feito extraordinário: mata um presidente de extrema-direita. Conversamos com Santiago Nazarian sobre o seu último livro e sobre a sua visão sobre o atual cenário da literatura.
Escotilha » Santiago, quando li seu livro, tive a impressão de estar diante de uma obra que construía um certo retrato dos jovens atuais, que vivem em um mar de incerteza. Renato é um personagem que tem várias questões, que envolvem a sexualidade, mas que vão além dela. Ele tem incertezas sobre o sentido da sua vida e mesmo sobre a própria raça. Obviamente, é difícil definir uma geração inteira, mas você acha que houve no livro alguma intenção nesse sentido?
Santiago Nazarian » Sim, total. O livro é uma tentativa de entender e me comunicar com essa geração… ou uma parcela dessa geração. Quando eu escrevi, eu estava namorando havia um ano um jovem não binário de 23 anos, que estava no processo de se assumir uma mulher trans. Eu estava tentando entender esses movimentos; até porque tive um casamento de 6 anos, e estava voltando ao selvagem mercado gay, dos aplicativos, das redes sociais…
Eu encontrei uma geração muito monetizadora, empenhada em se vender o tempo todo, de várias formas, seja por likes, por dinheiro, prostituição, venda de “packs”, Onlyfans…. E também esse fenômeno da transexualidade. Na minha juventude, nós éramos da escola gótica da androginia – atualmente, todos os “andróginos” com quem eu me relaciono estão em processo de se assumirem mulheres trans. Então era esse universo que eu queria discutir no livro – muito mais do que a questão do presidente morto. É uma discussão por vezes irônica, provocativa, sim, mas feita com um carinho e um interesse genuínos.
(Em Veado Assassino) eu queria exercitar outro talento como escritor, não da eloquência, mas do naturalismo e da construção de personagem.
A narrativa de Veado Assassino, em forma de diálogo, é bastante interessante e dinâmica. Você teve alguma inspiração em outras obras ou autores para pensar nesse formato?
Acho que a inspiração veio mais dos chats e aplicativos do que de outras obras. Porque quando eu voltei a esse mercado (dos solteiros gays) eu investi muito, MUITO tempo em Tinder, Grindr, saí com muita gente… Então tive toda essa prática dos diálogos, que me pareceu algo mais dinâmico e objetivo para uma nova obra. Conheço bons livros baseados exclusivamente ou quase exclusivamente em diálogos (tem O Beijo da Mulher Aranha; o último do Laub, do Mike Sullivan), mas em todos os diálogos são mais discursivos, são grandes monólogos, depoimentos.
Eu queria basear mais nesse formato contemporâneo da comunicação de redes sociais. E repare que é um livro só de diálogos com um protagonista que não quer contar sua história, muitas vezes é monossilábico. Eu queria exercitar outro talento como escritor, não da eloquência, mas do naturalismo e da construção de personagem. Muito do que se pode inferir do protagonista não é pelo que ele diz, é pelo que ele NÃO diz ou pela forma como diz. Eu espero que o leitor leia diversas frases do Renato duvidando: “Nah, isso não é verdade. Isso é o que ele diz.” É o contrário daquele clichê: Não conte, mostre. Como tudo é apenas contado, o leitor é que tem de tirar suas conclusões sobre os fatos.

Eu li uma matéria sobre Veado Assassino que aponta que sua obra também manifestaria uma vontade de conversar com uma nova geração de leitores. Como você enxerga esta colocação?
Sim, porque as questões do livro são muito das questões dos jovens atuais, né? Questões identitárias, o universo dos games, dos filmes de herói… Eu achei que esse livro poderia ecoar bem com leitores mais jovens, mas, sinceramente, acho que quem tem mais se empolgado com o livro tem sido gente da minha idade e outros escritores, pela ousadia da experiência literária.
Ouvi uma entrevista sua que em que você falou que tinha uma intenção de produzir um livro que fosse fácil e rápido. Hoje em dia a gente observa que muitas editoras investem em livros – boa parte deles de YA – que viralizam em redes sociais, como TikTok, e entram na lista dos mais vendidos. Como é ser um escritor hoje neste cenário? É possível ser escritor e se recusar a se engajar neste esquema de produção de conteúdo?
Meu foco não é (mais) nesse público. Nem o da Editora por quem publico. O selo principal da Companhia é mais voltado ao meio literário mesmo, um público adulto que pode até ser jovem, mas não está lendo YA – para isso a Editora tem outros selos. Então confesso que nem entendo muito da produção desse conteúdo. Não tenho TikTok e nunca tive. Não tenho vontade e não vejo necessidade. Mas talvez isso mude…
Você já é escritor há muitos anos, pois começou muito jovem e tem uma obra bem extensa. Durante estas décadas, o que mudou na vida de um escritor no Brasil?
Eu sempre publiquei com constância, a cada dois, três anos. Mas cada livro que eu publico encontro outro cenário, outro mercado, outras formas de divulgação. Livro anterior saiu na pandemia, foi uma enxurrada de lives e eventos online. Agora parece que a coisa é fazer vários eventos – tem escritor que faz noite de autógrafo do mesmo livro toda semana.
Eu tive a sorte de começar a publicar no início do milênio, quando teve o boom de jovens autores. A internet era basicamente só escrita e os influencers da vez eram os escritores e blogueiros; as Flis todas estavam proliferando pelo Brasil – eu fui convidado da primeira Flip; muitos eventos pagavam cachê. De lá para cá, a situação do escritor deteriorou muito. Se ficou mais fácil publicar – com as pré-vendas bancando o livro ou os mecanismos de autopublicação – também ficou mais difícil permanecer, criar um nome. É tudo muito transitório e perecível.
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