Ser invisível em Curitiba não exige muita habilidade. Basta sair de casa para não ser visto, para fazer-se presente no desencontro. A novela Esquina da minha rua, de Carlos Machado, retrata como pouco a ausência do curitibano, cujos personagens se cruzam metafisicamente pela cidade. De um lado, Pedro – um típico intelectual da província – vive enfiado em um mundo colorido de literatura, música, viagens e cafés. Do outro, uma mulher anônima que lhe escreve cartas e o presenteia com uma amizade irrestrita.
As duas vidas se esbarram nos nuances, mas se afastam nas questões cotidianas. Enquanto Pedro grava discos e escreve livros, a amiga precisa cuidar primo idoso que está gravemente enfermo. Como em sua obra anterior, Passeios, Carlos Machado faz uma ode ao não-lugar, reconhecendo os caminhos possíveis e impossíveis que guiam as pessoas ao longo da cidade. Entretanto, Esquina da minha rua cria um interessante paralelo com outras construções do autor, o belíssimo Poeira fria, publicado em 2012, e o disco DESencontro, lançado em 2017. Nas três aventuras, os personagens caminham entre ilusões, inquietações e, claro, deslumbramentos.
A trilogia não é proposital, mas o laço – e enlace – entre discos e livros faz parte do fazer artístico de Machado – que quando publicou Poeira fria deu ao mundo o singelo álbum Longe, que tão logo se tornou um DVD.
A Curitiba de Machado não é aquela em que o vampiro viaja e não é a república, mas sim uma cidade que ainda guarda um pouco de sorriso – nem que seja de desespero.
Ambição
Esquina da minha rua é um livro sobre a necessidade de viver, mesmo que em uma espécie de autoexílio. Se em Poeira fria o personagem tem medo da solidão, nesta novela o isolamento é quase uma ambição, que acaba sempre quebrada pelo som duro da realidade em seus mais diversos desdobramentos. “Fomos nos afastando aos poucos. Talvez porque o tempo está ficando longe de nós”, diz em certo momento.
Pedro é como os homens criados por Patrick Modiano – autor que o protagonista indica à amiga –, termina sempre envolvido em algo labiríntico e íntimo. É impossível negar a simetria do curitibano com o Nobel francês. Ambos escrutinam a cidade, fazendo dela também personagem e procurando soluções para os mistérios. Quem joga as cartas, por sinal, não é Pedro, e sim a mulher que lhe escreve com abraços respingados de chuva. Enquanto ele está trancado em um aquário de gravação – deliberando sobre a água que cai em um cano no estúdio –, ela se debate sobre a mortalidade ao testemunhar o primo perecer.
Esquina da minha rua é um diálogo importante em tempos de resistência, é um olhar terno para o outro e para si. Carlos Machado desenvolve uma narrativa coesa e capaz de enredar o leitor no universo de seus personagens à parte de qualquer julgamento. A Curitiba de Machado não é aquela em que o vampiro viaja e não é a república, mas sim uma cidade que ainda guarda um pouco de sorriso – nem que seja de desespero.