Ben Lerner é poeta, romancista, ensaísta e crítico. Finalista do National Book Award de 2006, na categoria poesia, finalmente chegou ao Brasil pela editora Rádio Londres, em 2015. Seu Estação Atocha, um romance de formação, mergulha o leitor na vida do narrador, um pretenso poeta (e, ao que tudo indica, alter ego do autor) que acaba de ser agraciado com uma bolsa de estudos para passar um ano em Madrid enquanto desenvolve seu trabalho, um livro de poesias inspirado nas tramas políticas da Espanha. Acontece que Adam Gordon, o personagem-poeta, é extremamente humano em suas qualidades ou desvios de caráter.
Estação Atocha – uma referência a uma das estações de metrô madrilenhas atacada por terroristas, em março de 2004 – é uma obra reflexiva e carregada de um humor ácido que, ao rascunhar o perfil de um jovem adulto norte-americano, cria um retrato do próprio país quando se é visto de fora. Adam chega em Madrid mal arranhando o espanhol, pouco se importando com a poesia ou a pesquisa, motivo de ter ganho a bolsa, e mais interessado em beber e fumar muito haxixe. Ele não procura se enganar, caindo em uma angústia interna repartida de forma igual pela culpa por desperdiçar essa oportunidade e pelo medo de ser descoberto – os conflitos a este respeito tomam boa parte da trama, inclusive em sua relação com outros personagens.
Ben Lerner parece realmente ter posto um espelho diante de si (daí o caráter autorreflexivo da obra), esmiuçando a dualidade de seu personagem: um poeta que quer viver sua vida intensamente, como que buscando um patamar de autenticidade em seu cotidiano – relações intensas, amizades intensas, porres intensos, entorpecimento intenso – e, ao mesmo tempo, uma representação idealizada do “ser poeta”, em que a estética carrega fator preponderante para sua obra.
Ben Lerner parece realmente ter posto um espelho diante de si (daí o caráter autorreflexivo da obra), esmiuçando a dualidade de seu personagem.
Acontece que Adam flerta com inúmeras questões existenciais, não necessariamente nas linhas escritas em Estação Atocha, mas no subtexto da obra. Lerner expressa um personagem desorientado, que vive em uma eterna confusão numa realidade que a ele pouco faz sentido. Há muita efemeridade: suas angústias, seus prazeres, suas relações, seus ódios. Nada é perene.
O trabalho de Lerner (e seu Estação Atocha) foi comparado ao de Ernest Hemingway (e seu O Sol Também se Levanta) pela revista New Yorker e pelo jornal The New York Times, especialmente por enfiar críticas à atual geração sem dó nem piedade, como se dissesse que seus integrantes são perdidos, de maneira parecida com que Hemingway fez. Contudo, há diferenças entre Jacob Barnes, o protagonista de Hemingway, e Adam Gordon, o de Lerner, especialmente sobre as experiências e pontos de vista. Em comparação, enquanto Adam derrapa na língua, Barnes fala espanhol e conhece a Espanha, além de ser responsável por seu financiamento (já com Adam, seus pais e a bolsa são o que o mantêm em Madrid), só para dar uma noção das diferenças.
Mas, para além da comparação literária, o trabalho de Ben Lerner é vistoso e admirável. Construiu um protagonista que, mesmo sendo um imenso narcisista e extremamente preguiçoso, é super cativante. Alternando um humor ácido e suas ruminações existenciais, Adam propicia ótimos momentos na leitura de Estação Atocha, tornando o virar de suas 224 páginas um exercício fácil e prazeroso, digno de ser lido numa sentada. Garanto que é possível.