Com a desistência de Roberto Saviano, o irlandês Colm Tóibín foi alçado ao posto de principal nome da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2015. Na noite da última quinta-feira, 2, o escritor esteve presente pela segunda vez no posto de convidado de uma edição do evento. O autor lançou recentemente no Brasil o livro Nora Webster, usando como ponto de partida sua própria história.
Aos 12 anos de idade, Tóibín perdeu o pai. Ele, seu irmão novo e sua mãe continuaram convivendo por mais alguns anos. “Foram anos de um estranho silêncio em que o assunto não podia ser evocado”, contou o escritor em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. “Você vivencia aquilo, pensa sobre o assunto, que não sai de sua cabeça, mas sabe que não é apropriado tocar na questão todos os dias. Mesmo com os parentes, semanas a fio, vindo à sua casa velar um morto que já não existe mais”.
Na noite de quinta, falando sobre a obra, Colm Tóibín explicou que Nora Webster é primordialmente um livro sobre o luto, sobre como lidar com essas sensações que permeiam a perda. “Há sempre um temor de família de que o filho escritor vá roubar as histórias dos pais, que ele será uma espécie de traidor”, disse.
Você vivencia aquilo, pensa sobre o assunto, que não sai de sua cabeça, mas sabe que não é apropriado tocar na questão todos os dias. Mesmo com os parentes, semanas a fio, vindo à sua casa velar um morto que já não existe mais.
Entre histórias pessoais, muitas delas que se cruzam com sua própria obra. Toíbín também falou sobre Elizabeth Bishop, poetisa falecida em 1979, que morou no Brasil, e foi tema de estudo do autor. “Uma dor ambígua é liberada de todos os seus poemas”, comentou. Sobre Bishop, o escritor pontuou que ela soube utilizar sua própria história para passar um olhar muito particular sobre as fragilidades do mundo.
Sobre o homenageado da Flip, Mário de Andrade, contou que teve a oportunidade de assistir a uma montagem teatral de Macunaíma. Explicou que na Irlanda há uma dificuldade por parte dos artistas de saberem lidar com sua tradição folclórica, o que, para Tóibín, Mário fez com maestria em seu livro.
Com a abertura da mesa para a participação do público, a plateia questionou Colm Tóibín sobre o plebiscito que legalizou o casamento gay na Irlanda. O país era conhecido pelo conservadorismo, que proibia a homossexualidade por lei até 1993. Para o escritor, a vitória foi conquistada mediante a construção de campanha utilizando histórias reais e menos argumentos abstratos, como os direitos humanos.
“É difícil mudar a opinião das pessoas. Ao invés de falar sobre direitos dos gays, direitos humanos, questões tão abstratas, a campanha focou em narrar as histórias das pessoas. Filhos ligavam para seus pais, para seus avós, pedindo votos. E foi incrível que várias pessoas começaram a sair do armário. O ministro da Saúde, o ministro da Defesa. Pensei que até o arcebispo de Dublin sairia do armário”, bincou Tóibín, ao que foi muito aplaudido.
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