“Muitas vezes as pessoas não sabem que gostam de ler”. Com esta frase, Rogério Pereira, diretor da Biblioteca Pública do Paraná, fundador do jornal Rascunho e curador da Curitiba Literária, deu início às atividades. A mesa de abertura, chamada “O Romance Eterno”, contou com a presença de Milton Hatoum e Cristovão Tezza, além da mediação de Christian Schwartz.
Descontraídos e para um auditório cheio, e que aguardou ansiosamente os vinte minutos de atraso, Hatoum e Tezza trocaram impressões sobre o romance do passado, do presente e do futuro, ainda que carregados de um certo pessimismo frente à realidade de leitura no país. Para Hatoum, consagrado com o livro Dois Irmãos, o romance guarda características esquisitas, já que mantém leitores ávidos por novas obras, mas em quantidade muito menor que antigamente. “Hoje o interesse não é pelo romance. O interesse pela literatura diminuiu bastante. É quase um milagre esta sala estar cheia. Com as mídias eletrônicas, redes sociais, o desastroso nível da tevê no Brasil – há raros programas sobre literatura – e com a escola pública decadente, então”, apontou o escritor, que teve sua principal obra adaptada para uma minissérie a estrear na Rede Globo em janeiro de 2017.
Firme em suas colocações, o autor manauara (atualmente radicado em São Paulo) evocou, ainda que indiretamente, o problema que inúmeras pesquisas sobre o consumo de literatura vêm demonstrando. “Não somos um país com tradição de leitura. Olha para o nosso Congresso e diz se alguém ali lê. É um país insano. Nós não podemos exigir um grande público de qualidade, porque a responsabilidade de formá-lo seria da escola, e a escola nós sabemos como é”.
A fala de Hatoum corrobora as informações que demonstram a ausência do hábito de leitura no país. “Nós tivemos sorte, mas não só sorte, uma confluência de coisas. Tudo vai contra a literatura no momento em que a gente vive hoje no mundo. Eu ando muito de metrô e ônibus em São Paulo e a realidade é que as pessoas não estão lendo”, finalizou.
‘Esse país é um país de Fabianos. Ainda é um país de vidas secas’.
Mais comedido em sua fala, e em alguns momentos ministrando uma espécie de aula de teoria literária, Cristovão Tezza – que também terá sua principal obra adaptada, porém ao cinema – acredita que a literatura mantenha sua força, ainda que não esteja nos seus melhores momentos. “Nós, Hatoum e eu, somos de uma geração que teve uma forte relação com a leitura em nossas infâncias. Não dá para dizer que contar uma história morreu, é parte da aquisição da linguagem, nós contamos histórias o tempo todo, somos personagens de nós mesmos”, disse.
Ambos os autores concordam que o romance segue sendo o gênero literário com maior apelo de público. “O romance é um gênero esquisito. Ele já nasceu em crise. Para acabar com o romance é preciso matar os seus leitores”, afirmou Hatoum. Para Tezza, isso se deve muito ao fato de que o surgimento do romance exigiu um esforço de popularizar a linguagem, aproximando-a do cotidiano. “O romance é a linguagem cotidiana. Ele absorve a linguagem comum e dali ele faz seu universo”, disse o autor.
Já ao final da mesa, enquanto respondiam a algumas perguntas do público, a dupla de escritores disse preferir, hoje, participar de eventos e movimentos literários no Brasil. Entre os argumentos apresentados, as longas viagens, a diferenciação entre a remuneração oferecida a escritores brasileiros e a paga a norte-americanos e europeus. Milton Hatoum ainda pontou que os autores possuem maior importância no contexto nacional. “Esse país é um país de Fabianos. Ainda é um país de vidas secas”, e finalizou dizendo que prefere “ser um batalhador da literatura no Brasil”.
A programação das mesas literárias da Curitiba Literária – Bienal Internacional de Curitiba 2016 segue nesta quinta, às 19h, com a presença dos escritores Bernardo Kucinski e José Castello. “A Resistência Diária” ocorre na Livraria da Vila, no shopping Pátio Batel, com mediação de Luiz Rebinski. A entrada é gratuita e limitada às 60 primeiras pessoas.