Esse país chamado Estados Unidos da América imediatamente evoca várias imagens. Muitos lembram-se dos filmes hollywoodianos ou das músicas pop na Billboard. Outros lembram da economia, do mercado financeiro. Quando pensamos na literatura dos EUA, para muitos os jovens da geração beat são uma imagem forte. Ocean Vuong é um jovem poeta contemporâneo dos EUA. Mas temos de reparar que ele fala de um lugar muito diferente se comparado com Jack Kerouac ou Elise Cowen.
Ocean Vuong tem um livro de poemas publicado em recentemente chamado Night Sky with Exit Wounds (Céu Noturno Ferido por Balas, 2016). Além disso, Vuong publicou anteriormente livros a que chamaríamos de cartonera. O reconhecimento veio rápido para o autor: ganhou o T. S. Eliot Prize, o Whiting Prize, entre outros, e foi mencionado em diversas revistas. Dentre os perfis publicados, na revista FP Global Thinkers 2016, Vuong foi chamado de pensador global “por reescrever as linhas do nacionalismo”. Não é por acaso que seu impacto imediato é tão simbólico: um dos mais promissores poetas estadunidenses atuais é, na realidade, vietnamita-estadunidense nascido em época próxima à Guerra do Vietnã.
O que significa ser estadunidense? Em tempos de presidência nacionalista, os pronunciamentos de Trump levantam grandes debates. Ocean Vuong identifica-se como estadunidense, sim, com certeza. Afirmado e reafirmado pela obra e por entrevistas. Ao mesmo tempo, o país natal de toda a sua família foi severamente ferido pelo país em que ele nasceu e cresceu. Filho de mãe vietnamita e pai estadunidense, Ocean Vuong carrega consigo duas grandes heranças. Sua poesia revela a contradição de identificar-se com o povo asiático, entender muito de suas tradições e, simultaneamente, ver-se como um homem estadunidense e, mais do que isso, esforçar-se para a sua literatura entrar no rol de obras da tradição estadunidense. A Guerra do Vietnã não pode deixar de marcar a narrativa pessoal e a obra do autor e seus poemas apresentam estes traços.
Autores como Ocean Vuong, Kazuo Ishiguro ou Hiromi Ito nos levam a repensar categorias dadas em nossas vidas.
O poema “DetoNation” é emblemático da contradição que encerra a identidade de Ocean Vuong. O título do poema em si já pode ser traduzido com pouco prejuízo para “DetoNação”. O título funciona como um retrato dos EUA à época da ocupação no Vietnã. Uma “Nação” que identifica-se facilmente com “Detonação” – “DetoNação”. O primeiro dístico anuncia: “Tem uma piada que acaba com – ãhn?/ É a bomba dizendo aqui está o seu pai”. O pai e a “DetoNação” são associadas e são realmente a pátria do poeta. Tratam-se de dois versos que já nos levam em um passeio por uma gama de narrativas no eixo pai-pátria-guerra.
A figura do pai aparece ainda em outros poemas, como em “On Earth We’re Briefly Gorgeous” (“Na Terra Somos Brevemente Deslumbrantes”), título também usado para a primeira publicação em prosa do autor esperada para 2019. Uma estrofe do poema parece retratar violência doméstica e lembramos de mais uma associação que fazemos com a figura paterna, infeliz porém comum associação. A figura paterna é também masculinidade, força, por vezes agressividade, violência. A masculinidade é um outro grande tópico nos poemas de Ocean Vuong e, assim como ele faz com a ideia de nação, as fronteiras são redesenhadas. Como homem homoafetivo, Ocean Vuong traz questionamentos para a clássica imagem do masculino que cultivamos nos Estados Unidos e no Brasil. O que significa ser um homem? A reflexão pode indicar uma ampla variedade de possibilidades.
O que é ser brasileiro? O que significa ter uma nacionalidade? Autores como Ocean Vuong, Kazuo Ishiguro ou Hiromi Ito nos levam a repensar categorias dadas em nossas vidas. Afinal, quando decidimos ser brasileiros? Quando nos demos conta de nossa brasilidade? Será que existem respostas fáceis para essas perguntas? Há muito o que pensar – e há ainda mais o que sentir.