Nome inconteste da literatura brasileira, a escritora Lygia Fagundes Telles morreu, aos 98, em São Paulo. Ao longo da carreira, acumulou prêmios e reconhecimento de seus pares. Em 2005, veio o Camões, maior premiação de sua carreira, que já acumulava quatro Jabuti.
Integrante da Academia Brasileira de Letras desde 1985, deixa uma coleção de contos, crônicas e romances, muitos da primeira prateleira da literatura em língua portuguesa, entre eles Ciranda de Pedra (1954).
Componente da terceira geração modernista, seus trabalhos envolvem uma prosa intimista e esteve na vanguarda do feminismo, embora seja um equívoco rotular sua obra como feminista1.
Lygia investigou, ao longo de sua carreira, o universo feminino sob uma perspectiva moderna, tendo a mulher no centro da obra e utilizando as técnicas do fluxo de consciência e do monólogo interior.
Confira uma lista2 com seus romances e contos para entender a carreira literária de Lygia Fagundes Telles.
As Meninas (1973)
Vencedor do Jabuti, As Meninas acompanha a vida de Lorena, Lia e Ana Clara, três jovens que moram em um convento durante o regime militar. É considerado pela crítica literária um dos mais intensos da nossa literatura – e, também, um dos mais inusitados.
Em As Meninas, Lygia Fagundes Telles utiliza um foco narrativo que varia a todo tempo, sem nenhum aviso prévio, usando a primeira pessoas, quando conta a partir da perspectiva de uma das garotas, ou em terceira pessoa, quando um narrador é nossa testemunha sobre sentimentos, desejos e insegurança das jovens.
Seminário dos Ratos (1977)
Seminário dos Ratos reúne alguns dos contos mais complexos da extensa carreira da autora. Nele, há um flerte com o fantástico, além do uso de todo recurso literário que possuía para abordar o amor, a loucura, a velhice, o poder e a morte.
É uma obra em que seus contos fogem do usual, optando por motivos diversos, como o meio ambiente e o funcionalismo público. Mas a autora faz isso sem fugir de suas marcas registradas, mostrando todos os aspectos que viriam a lhe garantir a alcunha de “Dama da Literatura”.
Durante Aquele Estranho Chá (2002)
2002 foi a primeira vez em que esses textos breves foram reunidos. Com origens, naturezas e épocas diferentes, os relatos contidos em Durante Aquele Estranho Chá compõem um painel de memórias de Lygia, especialmente seus encontros e diálogos com personalidades literárias.
Estão ali personalidades como Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Jorge Amado, Zélia Gattai, Hilda Hilst, Jorge Luis Borges e Clarice Lispector. A delicadeza com que a autora conduz a narrativa leva o leitor para dentro de seus textos, participando como testemunha de seus relatos.
Porão e Sobrado (1938)
Componente da terceira geração modernista, seus trabalhos envolvem uma prosa intimista e esteve na vanguarda do feminismo.
Estreia literária de Lygia Fagundes Telles, Porão e Sobrado é uma coletânea de contos escritos quando a autora tinha apenas 15 anos. A história mais curiosa sobre o título é que a escritora enviou um exemplar para Érico Veríssimo, que, à época, fazia sucesso com Olhai os Lírios do Campo. Encantado pela escrita de Lygia, o autor foi responsável por espalhar seu nome no meio literário do país.
Fora de catálogo, a obra só é encontrada em sebos e sites especializados em livros antigos com preços que atingem até R$ 1.500,00. Apesar dos pesares, os contos presentes em sua estreia literária acabaram por ser divididos em outros livros, como Antes do Baile Verde, Seminário de Ratos e A Estrutura da Bolha de Sabão.
A Disciplina do Amor (1980)
Publicado originalmente em 1980 e reeditado pela Companhia das Letras em 2010, A Disciplina do Amor é um dos romances mais vigorosos e sutis da autora. Escrito em um momento em que já era consagrada, foi uma espécie de resposta a quem dizia que só daria conta de ficção curta.
Com uma escrita mais livre e deprezando as fronteiras entre ficção e realidade, invenção e memória, conto e relato autobiográfico, a obra foi um dos mais bem-sucedidos livros de sua carreira, vencendo o Jabuti e o prêmio da APCA.
As Horas Nuas (1989)
Narrando a história de uma atriz de teatro decadente, que revisita, entre doses de uísque, os amores de sua vida, Lygia aborda temas como o feminismo, cultura de massa, Aids e drogas. Sua narrativa é moderna, e enfoca a atitude e a postura do homem comum em um enredo fragmentado, onde as ações e comportamentos são reflexo da sociedade retrata.
Em As Horas Nuas, a autora alterna pontos de vista e vozes, passando do fluxo interno de consciência à narrativa em terceira pessoa. Há, no livro, ênfase ao comportamento dos personagens em interação com a sociedade, lançando vista, de modo subjetivo, a dilemas e contradições da alma humana.
Selva de Pedra (1954)
Certamente sua obra-prima, Ciranda de Pedra foi o primeiro romance escrito por Lygia Fagundes Telles. Adaptado duas vezes para a TV, em novelas da TV Globo, ganhou impulso para se tornar nacionalmente conhecido. Entre os leitores que se encantaram com a prosa do título estão Carlos Drummond de Andrade, Otto Maria Carpeaux e Paulo Rónai.
Na obra, acompanhamos Virgínia, uma menina que vê sua família desmoronar no momento em que seus pais se divorciam e ela passa a morar apenas com sua mãe. Loucura, traição e morte são forças perversas que movem esse romance de formação. Certamente, um dos melhores livros da literatura brasileira.
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1Brasil Escola
2Matheus Mans in Esquina da Cultura
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