O novo jornalismo já não é mais tão novo assim, está até um pouco velho – mas não ultrapassado. O gênero – uma combinação de técnicas jornalística com elementos da sintaxe ficcional – pegou o mundo de assalto entre o final da década de 1950 e o começo dos anos 1950. A Sangue frio, o retrato de um assassinato bárbaro no Kansas, escrito por Truman Capote, é considerado a pedra fundamental desse movimento que, apesar de jamais ter se institucionalizado, se transformou no crème de la crème do jornalismo, reunindo gente como Tom Wolfe, Gay Talese, Hunter Thompson e Norman Mailer.
O jornalismo literário explodia justamente no momento em que a revolução sexual acontecia. Era como se houvesse uma simbiose entre as liberdades – sexual e imprensa, o que atingiria o auge em A Mulher do próximo, de Talese. Muhammad Ali representava também uma ruptura com o boxe tradicional. Mailer explora essa revolução em A Luta, uma narrativa sobre o confronto entre Ali e George Foreman em 1974, no Zaire, muito antes de este último transformar-se em sinônimo de grill para as cozinhas modernas da classe média.
Ali era provocativo, desbocado. Ousado, para dizer o mínimo. Se todos os outros boxeadores eram sujeitos calados, Muhammad Ali representa a oposição mais nítida: desafiava jornalistas, zombava dos adversários e declarava guerra ao governo dos Estados Unidos, naquela época afundado na Guerra do Vietnã. Convocado para servir o exército, Ali deu de ombros e passou a percorrer o país professando a sua fé contra o conflito. Na tentativa de fazê-lo mudar de ideia, o congresso revogou seu título de Campeão dos Pesos Pesados. Ali deu de ombros mais uma vez.
Negro. Muçulmano. Ativista. Ali não estava mais interessado nos ringues. Sua luta era outra. Quando o combate com Foreman foi marcado, Ali – que já não lutava para valer fazia um tempo – desdenhou do oponente. Ridicularizou o excesso de treino de Foreman e debochou de seu próprio desleixo como o preparo para a luta – que, na realidade, representava o seu comeback.
Luta política
É preciso pensar em Ali como um personagem complexo, cheio de nuances. Boxeador exigente e implacável, ele carregava consigo a faceta de pai amoroso e dedicado – que fica muito clara no documentário I am Ali. Mailer é esperto ao conseguir retratar todas as auras que compõem a alma de um homem como Muhammad Ali. Observador astuto, o jornalista escreve em terceira pessoa e se coloca como personagem secundário em sua própria obra.
Ali era a contracultura. Estendia, metaforicamente, a bandeira dos Panteras Negras, de Malcolm X e de Luther King.
A luta, que ficou conhecida como rumble in the jungle, tinha um quê de política. Foreman tinha o estandarte do espírito nacionalista norte-americano, o mesmo espírito que povoado a classe média daquele país em um American way of life. Ali era a contracultura. Estendia, metaforicamente, a bandeira dos Panteras Negras, de Malcolm X e de Luther King.
Não há spolier em um confronto que aconteceu há quase 45 anos. A vitória de Ali significou a derrota, não de Foreman, mas de um pensamento reacionário que, infelizmente, havia se apossado de um atleta. Um bode expiatório. A vitória de Ali é ainda uma vitória que reverbera cada vez que um negro é assassinado pela polícia.
A LUTA | Norman Mailer
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Claudio Weber Abramo;
Tamanho: 232 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2011.